Desconheço o autor desta foto, ela chegou com uma mensagem de bom dia de uma pessoa querida, mas, confesso que nunca vi uma definição do tempo mais exata do que esta. Afinal, o que é o tempo senão uma bela flor que se abre pela manhã e fenece ao cair da noite, todos os dias?
Eu não sei vocês, mas eu tenho um problema sério com o tempo. Não o tempo somado em anos, que faz nevar sobre os meus cabelos, empilha tijolos sobre o muro da minha idade e me aproxima da mudança para uma campa no gramado do Cemitério Colina dos Flamboyants, mas o tempo que esta imagem reflete. Aquele tempo fugaz, que floresce delicado e majestoso a cada manhã e, sem que possamos detê-lo, vai murchando suas pétalas ao longo das horas, até estar completamente destruído ao anoitecer. Até a Bíblia se refere a ele de forma poética, ao falar da vida do homem: “Eles são como um sonho da manhã, como a erva virente, que viceja e floresce de manhã, mas que à tarde é cortada e seca.” (Sl 89, 5-6).
Nestes últimos dias, não tenho estado na posse do meu inteiro vigor. Depois de exatos 20 dias esperando, (im)pacientemente, pelo resultado do teste de Covid, feito no Hospital Municipal de Mogi Guaçu, (contra os dois dias de meus parentes de São Paulo, que testaram num dia e receberam o resultado no outro), tomei conhecimento de que contraí Covid. Isso já é ruim por si, e agradeci a Deus por estar vacinada e por ter tido sintomas relativamente leves, sobretudo, por não ter sentido falta de ar, coisa que temo mais que a morte.
Até brinquei com um amigo, no fim do dia, dizendo que, se tivesse morrido e, para entrar no Céu, precisasse apresentar a causa de minha morte, estaria vagando no limbo, porque teria morrido sem saber que era Covid! Uma experiência que mostra que aquele quadro com o número de novos casos apresentado todas as noites pelo Jornal Nacional ou presente no site do Ministério da Saúde é completamente furado. Enfim, agora faço parte das estatísticas, porém, com 20 dias de atraso!
Lamentavelmente, embora tomasse todos cuidados recomendados, fui acometida pelo mal, fui visitada pelo anjo da morte, tive esse “bicho” terrível dentro de mim. Coloco bicho entre aspas porque sabemos que vírus não é um bicho, ele não faz parte do reino animal, e de nenhum outro dos que classificam os seres vivos: vegetal, fungi, protista e monera. Segundo a definição da Biologia, ele sequer é considerado um ser vivo: “os vírus estão no limiar entre a matéria bruta e os seres vivos, apresentando características de ambos os tipos. Não há consenso se devemos incluir os vírus nos seres vivos como um todo. Por isso, esses seres não são classificados de acordo com o padrão proposto por Lineu. Consequentemente, não possuem reino, filo, classe ou ordem.”, ou seja, eles são “coisas”, e pelo seu poder de destruição e letalidade, podemos dizer que são coisas do Coiso!
Mas, retomemos o fio da meada. Nestes últimos dias, não estive na posse do meu inteiro vigor. Depois de pegar o tão aguardado resultado do exame, conversei com pessoas que tiveram Covid e todas relataram o mesmo: uma espécie de cansaço, um desânimo, um vazio, uma ausência de qualquer coisa de vital. Algumas me disseram que com 40 dias passa, outras, estão há meses com isso. Aí, o universo ainda me manda um complemento, enquanto dava uma olhada nas notícias do dia, dou de cara com o seguinte artigo: “Entenda o languishing: entorpecimento da vida e sensação de vazio”. O autor começa o texto com a seguinte definição: “Da pandemia emergiu o languishing, termo para denominar um sentimento persistente de apatia, desânimo e falta de motivação.”
Agradeço a Deus mais uma vez. Não é preguiça, não é falta de vontade, não é embromation, não é depressão, é apenas uma sequela desta maldição chamada Coronavírus que, em dois anos, tem se travestido e mudado continuamente a sua roupagem, como a mocinha indecisa, sentada aflita em sua cama, depois de ter experimentado metade dos vestidos do seu guarda-roupa sem conseguir se decidir com que traje ir ao baile.
Mas, então, com meus membros e minha vontade tomados por esse languishing (Jesus, não tinha um nome mais fácil para colocarem não?), fiz menos coisas do que gostaria e precisaria ter feito. Protelei tarefas importantes, interrompi atividades necessárias e ainda perdi tempo me perguntando se elas eram realmente necessárias e, claro, os efeitos disso, numa pessoa tão focada no trabalho, foram devastadores. A sensação horrível de não conseguir fazer o que precisa ser feito e a culpa por não estar fazendo.
Então, hoje, bem de manhãzinha, minha amiga Edna me envia uma mensagem bonita, encimada por essa linda foto, e me leva a refletir sobre a delicadeza e a força implacável do tempo. Essa flor precisa ser apreciada e consumida todos os dias, porque é tênue, murcha depressa, rapidamente vira pó, e não dá para acumular, para juntar com a de amanhã, depois de amanhã, mês que vem, qualquer hora dessas, para fazer um buquê. É algo que urge e sussurra suavemente em nossos ouvidos: “Sirva-se de mim, aproveite-me e faça isso bem, porque estou indo embora. Fui.”
É, cara Edna, o tempo não é Cronos, aquele velho barbudo que nos apavora. Ele é essa florzinha delicada sobre um relógio inclemente. Delicada, mas com a força incontrolável de um titã…