A primeira vez que ouvi falar sobre pessoas que consideram a hipótese de a terra ser plana achei um absurdo e nem procurei me inteirar sobre o assunto. No entanto, considerando a crescente quantidade de material a respeito disso, resolvi dar uma olhada. De antemão, considerei que se tratasse de uma coisa de gente retrógrada, ignorante e dada ao fanatismo, porém, acabei constatando que, a despeito de algumas discussões bizarras e estúpidas entre defensores dos dois modelos (Terra plana e Terra esférica), há gente séria, pessoas cultas e bem informadas, físicos, matemáticos, geógrafos, engenheiros que defendem essa hipótese com argumentos curiosos e interessantes.
Antes de chegarmos dando voadora e criticando tal hipótese com veemência, vale lembrar que até meados de 1500 a teoria de que a terra era imóvel, estava no centro do universo e era bem maior que o Sol, sendo orbitada por ele e pela Lua (Geocentrismo) era a única aceita e também causou perplexidade o surgimento de pensadores que defendiam o Heliocentrismo (doutrina que coloca o Sol como centro e os planetas – todos com formato esférico, incluindo a Terra – orbitando ao redor dele, que também orbitaria em torno do centro da Via Láctea, uma galáxia formada por centenas de bilhões de estrelas). E não se tratou de uma perplexidade popular, pois, à época, as pessoas comuns não tinham acesso à informação como temos hoje. Houve profundas divisões entre os filósofos e pensadores e o poder constituído da época, a Igreja Católica. Isso acabou resultando na condenação, pelo Santo Ofício, de vários cientistas que ousaram concordar com a teoria de Nicolau Copérnico (1473 – 1543), o maior defensor desse sistema.
Um deles foi Giordano Bruno, que foi condenado como herege e morto na fogueira pela Inquisição em 17 de fevereiro de 1600. Um dos principais defensores do Heliocentrismo foi Galileu Galilei (1564 – 1642), que também foi condenado e preso e só não foi queimado por ter admitido retratar-se de suas ideias, tidas como heréticas e perigosas. Apenas em 1835 foi que a Igreja aceitou a teoria. Isso mostra que o que acreditamos hoje não vem desde sempre e o surgimento dessas ideias causou um furdunço muito maior do que uma possível indignação atual com a volta da concepção de uma Terra plana como centro, sendo orbitada pelo Sol e pela Lua.
Embora relativamente nova, a teoria que deu origem à Ciência moderna com sistema solar, galáxias, lei da gravidade, ganhou forças rapidamente e passou a fazer parte de nossas convicções, afinal, é uma coisa que aprendemos desde pequenos como certo e lógico e nos perdemos numa imensidão infinita de galáxias e nebulosas, com a Terra reduzida a um insignificante grão de poeira dentro do imenso e instigante universo em constante expansão. A Terra saiu do centro, o homem saiu do centro e, consequentemente, Deus saiu do centro. A Ciência passou a ser a detentora da verdade, anteriormente pertencente à religião, servindo como inspiração para inúmeros filmes de ficção com invasões de ETs, viagens interplanetárias e guerras intergalácticas de nossa geração Star Wars.
Para os terraplanistas, nosso mundo seria, de fato, o centro do universo e a Terra não seria tão antiga (cerca de 4,5 bilhões de anos) como presentemente se supõe. Eles também põem em cheque a seriedade da NASA e a veracidade de suas pesquisas espaciais. Revogam a lei da gravidade, o tamanho e a posição do Sol, da Lua e das estrelas e defendem um espaço limitado pelo firmamento, devolvendo-nos a noção de Céu em cima e, se levarmos a descrição bíblica ao pé da letra, Inferno embaixo, questionando, assim, a afirmação de que não há em cima e embaixo no universo.
De um modo geral, não parece fazer muita diferença para a nossa vida e para o nosso dia-a-dia se a Terra é esférica ou se é plana, se está parada ou se movendo, mas, se o movimento terraplanista continuar crescendo poderá acabar fazendo diferença sim, e muita, pois alguns dos conceitos tidos como verdades absolutas terão de ser revistos – ainda bem que a Santa Inquisição já acabou, as brigas agora são virtuais e ninguém mais corre o risco de ir para fogueira, caso contrário, haja fogueira!
Pesquisei bastante sobre o assunto e, embora a teoria não tenha logrado me convencer totalmente, confesso que é bastante confortável pensar que não estamos orbitando nada e nem girando a quase 110.000 km/h num universo infinito, mas que nosso lar está bem quietinho e plano, tendo seus 70% de água limitados por imensos paredões de gelo do que chamamos de Polo Sul. Loucura? Pode ser, mas, não podemos esquecer que quando a ideia oposta foi apresentada, muita gente rodou (ou assou) com algumas mortes e muitas prisões, o que significa que tudo o que é diferente assusta e causa estupefação e descrença até ser aceito e cair no senso comum, passando a figurar como verdade. Enfim, se a Terra é plana ou se é esférica, como presentemente acreditamos, não é o que mais importa, mas sim que devemos evitar qualquer tipo de radicalidade e estarmos abertos e dispostos a deixar a nossa zona de conforto para considerar novos e diferentes paradigmas, por mais inverossímeis que eles possam parecer e, mais importante ainda é o que – ou quem – colocamos no centro.
