Tento administrar meu tempo da melhor maneira possível, a fim de dar conta de todas as atividades, desde aquelas prazerosas como viver ao lado do homem amado, cultivar os laços de família, dar atenção aos amigos, cuidar e alimentar dez cachorros e duas tartarugas, escrever, até as necessárias – mais cansativas e nem sempre tão prazerosas – como trabalhar, cuidar da casa, da roupa, sem deixar, claro, de cuidar de mim e fazer coisas que curto, como ler, assistir um bom filme, cuidar de algumas plantas, fazer um trabalho manual e passear de vez em quando. Para isso, desenvolvi uma sistemática que me levou a detectar e evitar o quanto possível os ladrões de tempo e um desses ladrões se esconde nas mídias sociais, afinal, quantas pessoas não perdem o dia inteiro, ou boa parte dele, faltam ou chegam atrasadas a compromissos importantes e até se afastam das pessoas reais para dar conta de navegar no Facebook, Instagram, Whats App e outros canais virtuais?
Entendam, não estou aqui fazendo uma crítica à utilização dessas mídias e reconheço a grande importância delas, mas, também consigo ver os seus excessos. Por exemplo, se há coisas que me irritam, uma delas é atender um cliente e, enquanto consulto seu saldo, abro uma conta ou gero um boleto, a criatura fica sentada na minha frente, do outro lado da mesa, com aquele ar de riso e cara de tonto, olhando no celular e digitando freneticamente. Nos dias de humor mais picante, eu termino o que o cliente precisa e fico apenas parada observando-o e, se ele demora a perceber, a fim de não prejudicar os que esperam atendimento, eu digo com o mesmo risinho besta: “Desculpa interromper, aqui está o que você pediu… etc”.
Enfim, todo esse prólogo é apenas para dizer que, embora não more no Face, de vez em quando dou uma navegadinha para ver as novidades dos amigos e postar uma coisinha ou outra e ontem fiz uma dessas incursões e me deparei com uma imagem belíssima, que me fez viajar em várias direções, sentindo um misto de emoções gostosas, com um sorriso de encantamento nos lábios. Estava em casa, sozinha, mas, se estivesse diante de alguém, também poderiam me atribuir aquele risinho idiota que todo internauta exibe! A imagem que me encantou foi a nova foto do perfil de Ivete Hazarabedian, para mim sempre a “Tivete”, por conta do tempo em que, ainda menina, eu era babá dos sobrinhos dela.
Achei tão linda, tão encantadora, brilhante e singela aquela imagem, o retrato de alguém em paz com a vida e consigo mesmo. A primeira coisa que notei, depois do sorriso meigo, foi a falta de tinta nos cabelos e, depois de fazer uma suave e nostálgica incursão ao passado, lembrando da Tivete moça, ainda na faculdade, enamorada do estudante de veterinária Orivaldo Vasconcelos, dedicada militante do movimento espírita, me pus a pensar no que as emoções que vivemos na vida fazem conosco e o que fazemos com elas. Da Ivete, eu pouco sei além das lembranças que guardo de décadas atrás e do abraço forte na noite do lançamento dos meus livros em Monte Alto, um reencontro depois de uns trinta anos sem nos vermos. Mas, olhando para essa foto, com seus cabelos grisalhos, sua luz própria tento adivinhar a quantidade de emoções vividas por essa mulher ao longo dos anos e arrisco palpitar que as emoções vividas fizeram bem a ela e que ela cuidou bem dessas emoções, que as viveu, não as evitou, por isso pode, hoje, ousar tirar a tinta do cabelo e apenas ser a Ivete.
Acredito e defendo que as mulheres – sobretudo as de meia idade – devem cuidar de si, da sua saúde, da sua aparência, ter, sim, vaidade, arrumar-se, mas, sendo o que são. Confesso que me entristeço quando vejo uma mulher de 50, 60, tentando parecer uma menina de vinte, usando roupas que, se ficam elegantes para uma mocinha, chegam a ficar ridículas nelas, ou sofrendo e brigando com a cor dos cabelos, com as rugas do rosto. Meu Deus, os sulcos que o tempo faz em nosso rosto, os cabelos que perdem a melanina e branqueiam são a marca da nossa vida, é a marca que o tempo deixa em nós e que nós também deixamos no tempo, na existência e na vida de muitas pessoas, de gente que a gente nem imagina que marcou, como a Ivete Hazarabedian talvez nem suponha que marcou a minha, afinal, era apenas a irmã da minha patroa, que me ensinava coisas triviais como descascar cenoura e dizer abóbora refogadinha em vez de afogadinha, como aprendi com minha mãe, me dava algumas broncas e, no geral, nem me enxergava. Mas, eu a via, eu a admirava, uma moça madura, construindo a sua carreira, o seu futuro e, sobretudo – e nisso os seus sobrinhos devem concordar comigo – era uma tia sensacional. Talvez eu tenha me inspirado nela para ser uma boa tia, pois esse é um dos papéis que acredito cumprir da melhor forma.
Atualmente, eu estou novamente de cabelos brancos, talvez por isso a foto tenha me chamado tanto a atenção. Eu sei o incômodo que isso causa, não em quem curte o gris de seus cabelos e ama estar livre de tingir, retocar, manchar fronhas e toalhas quando usa uma tonalidade mais avermelhada, mas, nos outros. Várias mulheres da minha idade vêm falar comigo e perguntam se não vou pintar o cabelo de novo, que cabelo grisalho fica bem em homem, mas que as mulheres devem pintar para ficarem mais charmosas, mais elegantes e algumas dizem, com uma mal disfarçada pontinha de inveja, que admiram a minha coragem. Pintar ou não pintar o cabelo é apenas uma escolha, vai do gosto de cada um e depende do nosso momento. A questão é que, quando os cabelos branqueiam, não importa que tonalidade de tinta usemos, eles continuarão brancos e, como crescem rapidamente, dois dias depois do tingimento as raízes já começam a nos lembrar a idade que temos e que os cabelos são brancos e pronto. É a mesma coisa com as rugas. Nada nos impede de fazer plásticas, mas, as cicatrizes da cirurgia, escondidas atrás da orelha ou ao redor dos seios, se nossa opção foi vencer a força da gravidade com o poder do silicone, sempre vão nos lembrar da inclemência do tempo, de nossa transitoriedade, que estamos aqui de passagem.
O que importa não é ter cabelos naturais, tingidos, com luzes ou progressiva, o que importa mesmo é trazermos estampado no semblante a força e a suavidade das tantas emoções que vivemos, as boas e as ruins também, pois são elas que nos fazem ser o que somos, ou melhor, é o que fazemos delas que nos faz ser o que somos: pessoas sombrias, taciturnas, apagadas ou serenas, suaves e iluminadas como a Ivete Hazarabedian naquela foto. Temos sim, uma capa de carne, osso, gordura, estrias, celulites ou até pelancas, isso passa, mas, aquela delicadeza de alma, aquela tranquilidade de estarmos em paz com nós mesmas, isso, não passa e tem um imenso poder transformador. Podemos andar por aí causando pena ou admiração em quem nos vê. Tudo é uma questão de ponto de vista e do que fazemos com as nossas emoções, pois, como diz o velho Roberto : “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi!”.