O Seu Jorginho é uma figura ímpar, considerado, por ele mesmo, o maior mentiroso que existe. Que incrível a veracidade das suas mentiras, tão verdadeiras que se tornam realidade. Em sua mente, uma quantidade infinita de histórias armazenadas, algumas delas são casos verídicos, outras se tornam. Um homem simples, trabalhador rural, pai de uma família especial, engraçado, fala mais que a boca, sempre em prol da alegria, tudo o que sai da sua boca é para fazer rir, uma pessoa importante demais para esse mundo…precisamos rir mais.
E foi lá na fazenda que outro personagem apareceu nessa historia e se juntou ao grupo, outra grande figura, praticamente um discípulo do Seu Jorgin, o Alex Nobre. Também ciclo-viajante das estradas amazonenses, Alex é um paraense que vive em Manaus, engraçado, falador, cabeludo-careca e loiro, um personagem que é até difícil descrever com palavras, só conhecendo para entender. E quando ele soube que a gente estava indo pra Manaus, colocou a bicicleta num ônibus e foi até a fazenda encontrar com a gente. E dai para frente seguimos em três, por uma semana.
Ainda antes de sair da fazenda, em nossa primeira noite juntos, ganhamos um presentão do universo: uma impressionante chuva de estrelas. Eu já havia visto estrelas cadentes, mas naquela noite, vimos, os três deitados na grama, mais de 100 estrelas rasgando e iluminando o céu, impressionante. Vimos também um disco vo… nada.
Na varanda, três redes armadas e três sonhadores olhando pro céu. Apreciamos aquele espetáculo até que os olhos não aguentassem mais. Dormimos e acordamos no meio da noite com a Lua que apareceu imensa e vermelha. Dormimos de novo e acordamos com o grande Sol na cara e a brisa da floresta refrescando a manhã. Era domingo, seu Jorginho estava animado, então, ficamos por lá naquele dia descansando as pernas. Banho de cachoeira gelada, comida de fazenda e mentira comendo solta, o dia inteiro.
No dia seguinte nos despedimos e seguimos rumo a uma vila chamada Equador. Foram 120km até lá, onde nos encontramos com um amigo do Alex, o Cachorrinho, que nos recebeu, nos deu janta e dormida. Seguimos de manhã e paramos na casa do Paulista, um senhorzinho que nos convidou pra comer. Paramos na casa dele as 10h da manhã, era só pra tomar um cafezinho e encher a bolsa de laranjas, mas saímos de lá às 14h, depois de um almoço sensacional que ele nos preparou: Piranha e Tucunaré. Comemos, dormimos na rede e de lá seguimos até a entrada da reserva indígena Waimiri Atroari. Lá dormimos num restaurante na beira da estrada, onde mais uma vez fui impedido de dormir pelos pernilongos e pelo intenso calor. Acordamos com o sol nascendo na cara, tomamos um café e seguimos pra um longo e lindo dia… iriamos cruzar a reserva, que tem 127km (asfaltados) de pura floresta, um sol escaldante e uma imensa quantidade de araras sobrevoando nossas cabeças.
Azuis, com o peito amarelo e muito imponentes. O animal mais fiel que existe nos acompanhou pela estrada durante todo o fim de tarde. Centenas de araras berravam sobre nossas cabeças o tempo todo, algumas cruzavam a estrada de um lado pro outro, outras, nos acompanhavam por um trecho, só pra deixar tudo aquilo mais lindo ainda… isso responde a pergunta: Por que viajar de bicicleta? Por coisas como essa. Não estávamos apenas apreciando a natureza, a gente era parte dela naquele momento. Estar em contato com a floresta é lindo, mas mais ainda é poder sentir a tão forte e pura energia dos animais. O silêncio da bicicleta não os assusta, e a falta de janelas não nos impede de respirar a pura vida que neles existe.
Por hoje é isso pessoal. Nos vemos na próxima semana. Um beijo a todos. Beto.