Vivemos dentro de um macro-universo, mas inseridos num micro-universo, o nosso mundo pessoal, particular, onde enfrentamos os nossos desafios, resolvemos nossos problemas, sofremos, choramos, sorrimos, nos alegramos e administramos os nossos relacionamentos. Geralmente a orientação bíblica de “amar ao próximo” acontece dentro desse micro-universo, e com limitações, pois nem mesmo as poucas pessoas que fazem parte desse nosso mundo nós conseguimos amar ou, se amamos, nem sempre conseguimos amar bem.
Assim como várias pessoas estão inseridas nesse nosso micro-universo, nós também estamos inseridos nos de outros, porém, a quem importa verdadeiramente tudo o que gira em torno desse núcleo é a nós mesmos, a cada um em seu quadrado, como diz um funk. A minha questão esta semana é: quem, de fato, se importa? Quem se importa comigo e com as minhas questões? Com você e com as suas questões? Algo que para nós é de fundamental importância, passa despercebido, ignorado por outras pessoas, por pessoas que amamos e que são importantes para nós, muitas vezes, as que mais amamos.
Quem já teve aquela sensação de estar contando algo ou comentando um assunto carregado de emoção, como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo, como se daquilo dependesse o equilíbrio do Universo e, de repente, nota que a outra pessoa nem está ouvindo, não está prestando a mínima atenção? Isso é chato pra caramba, né? Nos dá uma baita sensação de inadequação e de desimportância, nos fere, nos magoa e pode mesmo custar alguns relacionamentos.
A verdade é que poucas pessoas se importam. Geralmente os pais se importam com as questões dos filhos, embora nem sempre as entendam ou concordem com elas. Já os filhos, saídos da infância, não se importam mais com as questões dos pais e vão se importando cada vez menos, diminuindo cada vez mais o espaço que eles tinham nas suas vidas. De centro das atenções, os pais passam a importantes, depois a apêndices, depois a… Algumas vezes a nada, pessoas com quem precisamos almoçar em alguns fins de semana, mas cujos assuntos não nos dizem respeito, não nos afetam e, em alguns casos, até nos incomodam. Os pais passam a ser estrelas menores, satélites de somenos importância que orbitam nosso mundo tão cheio de afazeres, conquistas, desafios e tantas coisas mais, sem espaço para eles, mais repetitivos e previsíveis à medida que envelhecem.
Para os cônjuges (êta palavrinha feia!) os assuntos costuma ter mais importância por haver muitos em comum, pois os universos das duas partes de um casal costumam estar em sincronia e se interpenetrarem continuamente. Quando isso deixa de acontecer, já não existe casal, já não existe relacionamento, apenas uma convivência formal, apática e às vezes, beligerante. Na vida a dois, é muito, muito, muito importante que um preste atenção ao outro, que dedique tempo a isso, que se importe com as questões do outro, que seja ao menos solidário quando não puder ajudar na solução. É um dos maiores investimentos que podemos fazer.
Nossos pais não deixarão de ser nossos pais por prestarmos menos atenção a eles e, conquanto o distanciamento dos filhos seja algo que magoe profundamente, os pais não deixam de amar os filhos por causa disso. Podem não concordar, mas sabem compreender, porque também são filhos e também viveram esse distanciamento de seus próprios pais. Já nossos companheiros, maridos e esposas, podem deixar de sê-lo. Num jardim não regado, não adubado e sem controle das ervas daninhas, as plantas deixam de crescer, as flores deixam de nascer ou tudo cresce desordenadamente, sem que se possa distinguir o que é mato do que é flor, e o jardim sufoca, fenece, morre, sobrando só a solidão, as decepções e as mágoas em seu lugar.
A questão é que todos precisamos de atenção de solidariedade. É comum, com o tempo, irmos aprendendo sobre isso e falarmos menos sobre nossos assuntos, nossas preocupações, nossas dúvidas, nossas decepções, nossas expectativas. Vamos ficando mais calados, mais introspectivos, mais taciturnos. Se isso, por um lado, nos acabrunha e entristece um pouco, por outro nos amadurece e nos ensina a não fazer a mesma coisa com os outros, a dispor de tempo para ouvir e ouvir de verdade, com atenção, com solidariedade.
Geralmente as pessoas nem querem nossos palpites, nossa opinião, querem apenas ser ouvidas com atenção, respeito, carinho. Quando ouvimos, devemos ouvir de fato, sem outras ocupações, sem dar atenção ao sinal de mensagem do WhatsApp, à televisão, ao carro que passa na rua, à música que está tocando. É preciso estarmos inteiros no ato de ouvir. É mil vezes preferível dizer: “Desculpe, mas não posso estar com você agora, não tenho tempo, estou ocupado, estou muito cansado.”, a estar junto e fingir que ouve, fingir que presta atenção, fingir que se importa. No filme K-Pax, há um diálogo interessante entre dois personagens, um psiquiatra, extremamente preocupado com um paciente difícil, e sua esposa. Ao perceber que o marido não está prestando atenção, ela diz: “Hoje de manhã eu cortei a minha cabeça fora com o fio dental e depois a colei de novo com a pasta de dente.” E ele responde algo como: “Está bem, querida, eu concordo.” Bem, podemos não ter chegado a esse extremo, mas, pode ser que já tenhamos nos sentido exatamente como ela.