Esta semana fui surpreendida com alguns comportamentos não habituais. Vivemos num mundo em que ser maltratados pelas pessoas se tornou tão comum que nem estranhamos mais. Estranhamos, sim, quando o oposto disso acontece. No mundo corporativo, e até nas relações sociais, não é segredo para ninguém que muita gente, antes de tomar uma atitude para resolver algum problema ou prestar alguma ajuda pensa: “Que vantagem isso vai me dar?” E, quando a conclusão de que a vantagem será pequena ou de que não haverá vantagem alguma, só Jesus na causa!
Há umas três semanas, tenho sofrido muito com uma forte dor na lateral esquerda da coxa. Poucas coisas na vida conseguem me parar, mas, a intensidade dessa dor foi tanta que me parou e precisei ficar uns dias de molho. Depois de massagem, médico, remédios e injeções, sem efeito, consegui encontrar um abençoado neurocirurgião que receitou alguns remédios (caríssimos, diga-se de passagem!!! Agora entendo porque os aposentados reclamam tanto que a aposentadoria não dá nem para pagar os remédios, não dá mesmo!), mas que me tiraram da crise aguda de dor.
Como morei em Mogi Guaçu nos últimos cinco anos, fazia tempo que não tinha contato com a realidade de São Paulo, meu habitat durante grande parte da minha vida. Agora, que me mudei para Mairiporã, onde, infelizmente, o serviço médico é precário, voltei a procurar atendimento em São Paulo e fui ao hospital que sempre foi referência para mim, a Beneficência Portuguesa. Esse hospital sempre foi bom, no entanto, essa minha última incursão lá me surpreendeu, a começar pelo tempo para marcar uma consulta.
Sempre que a gente liga para um consultório para marcar uma consulta e ouve a secretária perguntando: “Particular ou convênio?”, já dá um frio na espinha, porque a gente já sabe a próxima fala: “O doutor está com a agenda cheia, consulta só daqui a dois meses!”. Mas, dessa vez, me surpreendi! Liguei na quinta e consegui consulta para a próxima terça. O médico, um caso à parte em atenção e cuidados, pediu três exames, daqueles difíceis de conseguir marcar: ultrassom, tomografia e ressonância magnética. Já fui para o balcão de marcação desanimada, mas, surpresa número dois, consegui marcar para a sexta-feira da mesma semana. Os resultados sairiam no dia 20, porém, consultando pelo site da Beneficência, no dia 18, segunda-feira, já estavam todos prontos! Que maravilha! Aí, para completar a alegria, consegui marcar o retorno com o médico para a terça-feira! Juro, me senti assim meio que fazendo a quina da Loto, entendem? Ou acertando o primeiro prêmio do jogo do bicho (ainda existe isso, gente?).
Na manhã seguinte, ao sair de Mairiporã para São Paulo, uma de minhas cachorras, que ainda não conheceu a rua da nova casa, resolveu que era o dia de fazer isso, escapou e escafedeu-se. Uma batalha para pegá-la. Aí, quando estávamos saindo, passou uma mulher na rua e olhou na nossa direção. Caramba! A mulher estava de máscara e nós não! Volta a abrir a garagem, subir os 22 degraus até a porta da sala (para quem não sabe, Mairiporã é um conjunto de morros, nunca vi uma topografia mais acidentada!). Bem, a ampulheta do tempo continuou derramando seus grãozinhos de areia, indiferente aos nossos problemas. A consulta era às 09h30. Pega Fernão Dias. Trânsito. Chega em São Paulo e pega a Marginal do Tietê. Engarrafamento. Enfim, para resumir, mesmo deixando o carro num estacionamento a meio caminho e pegando o metrô, cheguei atrasada e, como a minha era a última consulta, o simpático e atencioso doutor tinha ido embora. Desalento total!
Ele só atende na Beneficência às terças-feiras, então, teria de esperar mais uma semana. Como sou capricorniana e dizem as más línguas que capricornianos são um pouquinho teimosos, não aceitei me dar por vencida. Minha alternativa era tentar encontrar um encaixe com algum outro médico ou tentar caçar o meu doutor Djalma na amplidão da nossa linda capital. Como temos o santo Google, nosso grande aliado para todos os apertos, foi no altar dele que rezei. Procurei pelo nome do médico, apareceu uma clínica, liguei, a atendente disse que iria tentar ver na agenda dele se ele teria alguma vaga durante a semana. Ficou de me retornar. Estou esperando ainda…
Senti que ali não iria dar praia. Resolvi arriscar mais um pouco e encontrei uma outra clínica, na qual só dava para conversar pelo WhatsApp. Bora lá. Escrevi que precisava marcar uma consulta com o Dr. Djalma Menendez. Alguns minutos depois (todos sabem que, nas mídias sociais, minutos correspondem a uma eternidade), a atendente, que até então eu não sabia se era humana ou um robô, pois a primeira interação foi uma mensagem padrão, perguntou meu nome completo. Escrevi meu nome e já emendei com a minha triste história de ter perdido a consulta, ser de outra cidade, estar com dor, com os exames prontos etc. Umas três eternidades depois (cerca de uns 15, 20 minutos), quando eu já estava entregando os pontos e me levantando para ir embora, eis que surge uma mensagem inusitada na tela do meu celular.
A atendente, não apenas humana, mas, extremamente humana, tinha conseguido localizar o médico, que estava numa cirurgia. Conseguiu falar com ele, explicou o meu caso e ele pediu que eu não saísse da Beneficência, pois, terminando a cirurgia (que era em outro hospital) ele voltaria lá para me atender, antes de entrar para uma segunda cirurgia. Nem acreditei nisso. Algumas mensagens depois, essa abençoada moça conseguiu até o horário que ele chegaria, o que me deu oportunidade de ir até uma lanchonete próxima para almoçar. Não sei se ele conseguiu fazer o mesmo.
O médico mais uma vez me surpreendeu com a atenção, olhou detalhadamente cada exame, mostrou aquelas imagens que a gente não entende nada, mas conseguiu deixar claro os pontos da coluna que estavam afetados, explicou em detalhes o que é a tal de meralgia parestésica (dá até para colocar como nome de filho, né? “Vem cá, Meralgia! Parestésica, não bate na sua irmã, menina!”). Bem, o desenrolar da história é que estou medicada e melhor, vou começar a fisioterapia e continuar com o tratamento, que pode ser longo. O problema não é grave, mas, por ser crônico, o tratamento será demorado.
O que conta aqui é a disposição do médico em vir de um outro hospital, com outra cirurgia marcada, para me atender e essa secretária de uma clínica onde ele atende. Ela nem é a secretária pessoal dele. O nome dela é Stefania. Ela não tinha nada a lucrar com isso, não levaria nenhuma vantagem pessoal em usar seu precioso tempo para localizar o médico, incomodá-lo durante uma cirurgia, descobrir o horário que ele conseguiria estar no hospital. Ela também não me conhece e, neste mundo, onde a realidade virtual ganha da realidade presencial, é provável que nunca nos vejamos, que nunca saibamos nada uma da outra. Muito comovida e aliviada com esse tratamento tão respeitoso, tudo o que eu pude fazer foi mandar uma mensagem de agradecimento e dizer que são pessoas como ela que fazem este mundo valer a pena. E, sabem do melhor? Em nenhum momento ela me perguntou se era particular ou convênio! Mesmo sem me ver, ela me viu e eu a verei sempre, na minha eterna gratidão.
Isa Oliveira (Izilda), nasceu em Monte Alto, reside em Mogi Guacu/SP, é formada em Letras pela USP. Trabalha na Caixa Econômica Federal. É autora dos livros Elogio à loucura e O chapéu de Alberto. E-mail: isaoliveira1965@gmail.com