Este ano, estou comemorando 22 anos do lançamento do meu primeiro livro, Elogio à loucura (27/11/2001) e, dada a importância do tema tratado, o câncer, ele chega à sua 4ª edição e, com ela, muitas lembranças. Hoje, conversando com uma pessoa que me dizia que gostaria que meu livro se transformasse num filme, eu me lembrei que, quando o escrevi, em 1999, ele surgiu para mim exatamente assim, como num filme. Não foi um livro composto com palavras, mas, com imagens, com cenas que, muitas vezes, eu nem sabia como iriam se desenrolar, e me surpreendiam. Foi uma experiência única.
Os personagens foram se desenhando em minha imaginação, mas havia um, o Carlos Alberto, filho da Dulce, personagem principal, já veio pronto, eu não tive que criá-lo, decidir se ele seria alto ou baixo, gordo ou magro. Não, ele já tinha a sua aparência e o seu jeito peculiar de se expressar.
Muitos que lerem esse artigo não farão ideia de quem é a pessoa que, sem saber, “emprestou” a sua cara ao meu personagem, mas os mais velhos, com certeza se lembrarão dele, o ator Ewerton de Castro.
Pois, então, todo mundo nessa história tinha a cara que eu dava, o corpo, a idade e a personalidade que eu criei para cada um, mas, o Carlos Alberto, não. Ele já apareceu com a cara, a voz e o jeito de sorrir do Ewerton de Castro.
Papel vai, papel vem e eu acabei de escrever o livro e aí, surgiu em meu coração uma ideia que acabou se transformando um sonho: escrever uma carta para o Ewerton de Castro contando esse fato curioso.
É uma carta mesmo, não é mensagem nem e-mail. Lembrem-se o livro foi escrito em 1999 e, naquela época, apenas algumas famílias tinham telefone em casa. O que funcionava mesmo eram as cartas. Se assunto urgente, um telegrama.
Eu escrevi o livro à mão, só mais tarde consegui comprar um computadorzinho velho, que parava quando esquentava e me fazia perder um monte de coisa que tinha digitado e esquecido de salvar. E, cerca de um ano e meio depois, eu realizava o desejo de publicar o meu primeiro livro.
Quando a gente sonha com fervor, com esperança, a vida acaba dando um jeito de nos ajudar a realizar o nosso sonho, e foi exatamente isso que aconteceu. Um pouco antes do lançamento, contratei os serviços de uma assessora de imprensa chamada Aymèe para me ajudar na divulgação.
Um dia, estávamos conversando na minha casa e ela pediu licença para ir embora porque tinha um ensaio do grupo de teatro que participava. Aí eu contei pra ela que queria muito fazer uma apresentação de teatro no dia do lançamento do livro, no Centro Cultural da Caixa Federal, em São Paulo.
Aproveitei e contei também que um dos meus personagens tinha a cara de um ator, e, quando lhe falei o nome do ator, ela deu um grito. Ela era amiga próxima do Ewerton de Castro e o grupo de teatro que participava era dirigido por ele! Ia se encontrar com ele naquele dia!
Para resumir a história, ele ficou curioso, quis me conhecer, eu consegui fazer a esquete teatral com vários atores profissionais e o Ewerton fazendo o papel de Carlos Alberto! Foi algo extraordinário e inesquecível. Ele chegou até a ir um dia na minha casa.
O lançamento do meu livro, que coincidiu com o Dia Nacional de Combate ao Câncer, acabou sendo um evento: com palestras, uma exposição de quadros, uma mini orquestra e a tão sonhada esquete. E tudo foi filmado, em VHS.
O tempo passou, a tecnologia evoluiu e vieram os CDs e os DVDs. Os aparelhos começaram a ser substituídos e, se antes era chique ter um videocassete, com o tempo, acabou se tornando um problema, pois os especialistas na manutenção desses aparelhos foram desaparecendo (quem nunca teve uma fita enroscada dentro de um videocassete, normalmente aquela fita do filme mais importante da sua locadora (negócio muito próspero na década de 1990 e início dos asnos 2ooo) e que você ficou três semanas na lista de espera para conseguir alugar e ter de devolver em 24 horas.
Na época, também era sinal de estatus ter uma filmadora em casa para registrar os momentos especiais, o que fazemos hoje o tempo todo com o celular. Esse hábito das filmagens favorecia também o contrabando de fitas VHS do Paraguai. Teve gente que enriqueceu com isso!
Mas, como tudo passa, isso também passou. E muita gente ficou com um estoque de enormes fitas, que passaram a servir só para ocupar espaço, pois os videocassetes foram substituídos pelos “modernos”, e hoje ultrapassados, DVDs.
Então, como sempre há quem vê oportunidade em tudo, teve início, aqui e acolá, pessoas que faziam a conversão do conteúdo das fitas de vídeo para o DVD. Foi quando meu ex-companheiro decidiu levar a minha preciosa fita, aliás duas, do dia do lançamento para um amigo fazer a conversão.
As coisas não iam bem entre a gente e eu decidi me separar. Foi uma decisão unilateral e difícil, e ambos saímos machucados. Meu ex, estranhamente, acabou enchendo a sua nova casa com lembranças minhas, incluindo várias fotos nas paredes.
Como continuamos amigos, um dia fui visitá-lo, com o objetivo de pegar as fitas que o amigo dele nunca tinha convertido para o DVD. Quando cheguei, as minhas fotos, finalmente, tinham sido tiradas da parede e ele me explicou que a sua psicóloga aconselhou que ele se livrasse de tudo o que lembrasse a minha presença.
E ele acatou, juntando fotos e objetos, colocou tudo num saco, levou para um terreno baldio e tocou fogo. Adivinhem! Uma dessas coisas eram as minhas preciosas fitas com a filmagem do lançamento… Pensei em dar um soco na cara dele e depois, uma surra na psicóloga, mas, me controlei.
Entendi e não condenei a postura dele de se livrar das lembranças para der seguir adiante, ah, mas, as minhas fitas, ele não tinha o direito de jogar no saco preto e depois queimar! Isso foi maldade mesmo. Afinal, ele também ficou com o meu carro, parte dos meus móveis e utensílios de cozinha, mas, curiosamente, tudo isso ficou intacto, já as minhas preciosas lembranças do grande sonho realizado, foram para o saco!