Quando o amor fala mais alto…

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Sempre tive cachorros. E, quando digo sempre, é sempre mesmo, pois, quando nasci, já havia um cachorro em casa, o Duque, um velho perdigueiro que morreu quando eu tinha quatro anos. Depois veio a Chulica, que foi o grande amor da minha infância e me acompanhou até o início da adolescência. Após a morte dela, veio a Bredy, o Pupi, a Preta, a Branca a Pequena e… bem, se eu for enumerar todos, vocês vão se cansar da ler.

Chegou um momento, sobre o qual voltarei a falar ao longo deste artigo, no qual a quantidade aumentou bastante e atingiu a casa dos 20. Mas, primeiro vou caminhar no tempo, desse período para o agora. Há dois anos, eu tinha na minha família sete cãezinhos queridos, alguns bem idosos, outros de meia idade. Até que apareceu a Querida.

Como estamos envelhecendo, eu e meu marido combinamos de ir acompanhando a partida de nossos amiguinhos e nos acostumarmos com a diminuição do número deles. Mas, um dia, fomos a uma farmácia e lá encontramos uma cadelinha simpática que pulou em nós e fez um monte de gracinhas. Não foi difícil perceber que se tratava de uma cachorrinha de rua. Fomos embora e, no dia seguinte, quando meu marido foi pegar o carro no estacionamento do seu trabalho para ir almoçar, foi surpreendido pela mesma cachorrinha, que estava lá, como que à sua espera. Algumas pessoas estavam brincando com ela, lhe deram água e comida, mas, quando ela viu o Henrique, correu na direção dele e, num piscar de olhos, aproveitou a porta aberta e pulou para dentro do carro. Quem resiste a algo assim? Neste dia, tive a surpresa de receber a ilustre convidada para o almoço.

Ela estava tão carente, tão faminta, não tivemos coragem de deixá-la partir. Colocamos foto dela na internet procurando dono, mas nunca apareceu ninguém e ela foi ficando por ali. Era tão carinhosa que a batizamos de Querida. Sua barriguinha começou a crescer e descobrimos que ela estava prenha… A tratamos com o máximo carinho, levamos ao veterinário, demos suplemento vitamínico, fizemos o possível para que ela tivesse uma gravidez tranquila, e os bebês nasceram, lindos!

Combinamos de não dar nomes a eles para não nos afeiçoarmos demais. Nosso combinado durou dois dias! Como amamos MPB os pequenos foram ganhando os nomes de Chico, Caetano, Gal, Zeca e Tonico (da dupla Tonico e Tinoco). Porém, como a Querida já chegou prenha, ela não pôde ser vacinada e, provavelmente, já estava doente. Quando os filhotes estavam com pouco mais de 40 dias, ela morreu de parvo virose. Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. O veterinário chegou a ir em casa três vezes num mesmo dia, usou todos os recursos possíveis, mas, ela não resistiu. Testamos todos os filhotes e, felizmente, nenhum contraiu a doença. Acabamos de criá-los na mamadeira e, claro, a ideia da doação foi para o espaço. Ficamos com todos. Uma nova festa na nossa vida.

Porém, muitas coisas aconteceram. Eles cresceram, veio a Covid, mudamos de cidade, fomos para uma chácara, onde eles tinham bastante espaço, mas, voltamos para Mogi Guaçu e, hoje, nosso quintal é pequeno. Temos os velhinhos, que não têm o mesmo ritmo que eles, por isso, precisam ficar separados. As coisas começaram a ficar difíceis, muito difíceis, então, decidimos procurar novos lares para eles. Conversamos com várias pessoas, pedimos ajuda nesse sentido, porém…

Eles são nosso amor, nosso carinho, nossos amigos. Como mandar embora metade da nossa felicidade? É muito xixi, muito cocô, muita ração, muito barulho, brigas por território, mas, eles são nossos companheiros. São eles que vão acompanhar o nosso envelhecer e alimentar a saúde de nossas almas.

Conversei sobre isso com meu filho, que é uma pessoa muito centrada, muita prática, e ele me transportou lá para o passado, me falando sobre afeto desordenado e me lembrando que eu comecei a ter muitos cachorros quando ele foi embora para o seminário, que eu usei os cachorros para suprir a falta dele. Sim, isso é verdade. Quantas vezes foi uma língua de cachorro que enxugou a amargura do meu pranto, quantas vezes foram os ouvidos de um cachorro que ouviram as minhas confidências e me deram o seu apoio em forma de patadas e lambidas, mesmo sem entender as complicações de minha dor! Foram esses cachorros que preencheram minha vida e minha solidão. Foram eles que me impediram de morrer quando eu adoeci e deixei de ver sentido na vida. Mesmo no auge da depressão, tomando um monte de remédios, precisava me levantar da cama para alimentá-los e, assim, fui sobrevivendo. Muitos deles partiram, e agora, esses maravilhosos filhotes vieram. Deus nos escolheu para abrigar a frágil Querida, para que ela não tivesse os seus filhotinhos na rua, onde vivia.

A conversa com o meu filho, apesar de dura, foi extraordinária. No dia seguinte, passei longo tempo abraçada com o Tonico, o maior deles e também o mais apegado a mim. Todos são, mas, o amor dele, extrapola. Embora não fale “cachorrês”, tentei explicar para ele, no dialeto do amor, que estava procurando novos lares para ele e os irmãos, para que pudessem ter mais espaço e conforto. Enquanto eu falava, mais uma vez, como lá no longínquo e triste passado, minhas lágrimas eram secadas pelo lenço de uma língua canina, enquanto patas suaves deslizavam pelo meu rosto. Não sei traduzir todas as coisas que esse cachorro falou ao meu coração, mas sei que, junto com as sábias palavras do meu filho, os seus grunhidos e carícias me trouxeram de volta à realidade e colocaram ordem nos meus afetos.

Há pessoas que moram na rua, que perderam tudo, até mesmo a dignidade, e têm cachorros ao seu lado. Não têm casa, não têm comida, mas, os seus cachorros ficam ali, ao lado delas, dando o amor que elas necessitam. Meu quintal é pequeno, eles não têm o espaço e conforto que merecem, fazem sujeira, deixam pelos por todo lado, a casa fica bagunçada, mas, é aqui que eles ficarão, porque o que eu tenho para dar a eles, ninguém mais poderá dar e o que eles têm a dar a mim, ninguém mais me dará.

Desses dias de estresse à procura de novos lares para eles e de tristeza diante da possibilidade da despedida, ficou uma lição preciosa e um enorme agradecimento: “Obrigada, meu Deus, por ter-me dado um filho tão especial. Obrigada, meu Deus, por ter-me dado cães tão maravilhosos. Que riqueza ainda posso desejar?”

Isa Oliveira (Izilda), nasceu em Monte Alto, reside em Mogi Guacu/SP, é formada em Letras pela USP. Trabalha na Caixa Econômica Federal. É autora dos livros Elogio à loucura e O chapéu de Alberto. E-mail: isaoliveira1965@gmail.com

 

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