No último fim de semana estive num hotel tido como referência na região em que moro. Situado no campo, entre Mogi Mirim e Mogi Guaçu, com lindos jardins ao redor, o hotel chama a atenção de quem passa na rodovia. Pesquisando na internet, podemos ver a beleza daquilo que não se vê de fora: piscinas, salas sofisticadas, quartos bem decorados, refeitório suntuoso.
Foram várias tentativas de fazer a reserva por telefone, mas a linha sempre dava ocupada, então resolvemos ir pessoalmente ao local, torcendo para não estar lotado, pois queríamos fazer a reserva para a noite de sábado para um casal de amigos que se casaria naquele dia e acabáramos de saber que iriam passar a noite de núpcias em casa. Foi um presente de última hora, improvisado. Quando chegamos na portaria, encontramos o portão aberto, a guarita vazia e ar de abandono, o que se acentuou à medida em que fomos nos aproximando da entrada. Os jardins, antes bem cuidados, estavam desleixados, com mato crescido sufocando as flores. Na recepção, apenas uma funcionária que nos explicou que o hotel não possui mais telefone fixo, por isso não conseguimos ligar. Prestativa, levou-nos para conhecer a suíte, bonita, mas com ares de estar fechada há muito tempo. O corredor estava empoeirado, notava-se que não era varrido há dias. Uma manhã ensolarada e ninguém na piscina, no hall de entrada ou nas salas aconchegantes. No amplo estacionamento, apenas dois carros. Fizemos a reserva, mas, não conseguimos pagar com cartão, posto que não havia linha telefônica e tivemos que voltar depois para pagar em dinheiro.
Mais tarde, no casamento, era contagiante a paixão dos jovens noivos, seu entusiasmo, o primor com que prepararam todos os detalhes da festa. Uma paixão que contagiou muita gente, formando uma verdadeira corrente do bem entre os colegas de trabalho da noiva: o professor de gastronomia preparou as entradas e o jantar, com o auxílio de outra colega, cujo marido se dispôs a servir os convidados, uma atendente ajudou a arrumar as mesas e fazer a decoração do ambiente, o professor de moda desenhou e costurou o vestido, a professora de maquiagem arrumou a noiva, meu marido, também colega de trabalho, fez as fotos. Enfim, uma paixão que contagiou toda uma equipe e fez com que, mesmo com pouco dinheiro, os noivinhos conseguissem realizar o seu grande sonho.
Uma coisa, porém, chamou a minha atenção. Na mesa em que nos sentamos, havia quatro casais, incluindo eu e meu marido, todos em seu segundo casamento. Então pensei no hotel, antes tão glamoroso e agora, praticamente falido, certamente com os dias contados para fechar as portas de vez. Pensei em cada pessoa naquela mesa, que um dia sonhou com um “felizes para sempre” que não se concretizou. Pensei num casal com o qual convivo de perto que está junto há 50 anos. Em aparência, um casamento que deu certo, mas, são duas pessoas que não suportam ouvir a voz uma da outra, uma simples palavra irrita e, estar na companhia deles é estar fadado a ouvir um rosário de lamúrias e lamentações, algo insuportável.
Então, me perguntei, quando morre a paixão? Por que morre a paixão? Como morre a paixão? Quando nos apaixonamos, por algo ou por alguém, costumamos estar atentos aos menores detalhes, a todos os sinais e vamos caprichando e nos envolvendo cada vez mais. Tudo tem sentido, tudo é prazeroso, agradável, colorido. É assim no amor, no trabalho, na casa que decoramos com esmero, naquilo que nos move, como escrever, fotografar, construir, vender, pintar, dar aulas, atender pacientes, fazer cirurgias, cozinhar, dirigir, enfim, seja o que for que escolhemos para fazer na vida, é algo que nos eleva, nos motiva, nos dá razão de ser.
Há uma música do Beto Guedes que diz: “a primeira vez que eu me vi dentro do seu olhar.”. Isso é lindo, e é fantástico nos vermos dentro do olhar de alguém, mas, por que demoramos tanto a perceber que já não estamos dentro do olhar do outro e nem ele dentro do nosso, o dia a dia nos enfada, limpar a casa nos cansa, ir para o trabalho a cada segunda-feira nos destrói? A gente começa a ter de fazer, a ter de conviver, a ter de trabalhar, a suportar, depois a empurrar, a fazer força para respirar em meio ao que nos sufoca, nos oprime.
Eu, como muitos, já me apaixonei e desapaixonei por coisas e pessoas e sei o quanto é bom viver movido pela paixão e o quanto é ruim, trágico e pesado viver sem ela. A paixão move o mundo, as grandes invenções são frutos da ação de pessoas apaixonadas, pessoas que acreditam na vida e na transformação. Mas, um hotel, uma loja, uma empresa que fecham as suas portas, um casamento que acaba em divórcio ou numa pesada convivência de fachada entre pessoas que não se suportam, uma profissão que se transforma num peso, num enfado, são coisas muito tristes que podem nos levar à depressão, a fugas, a vícios, a traições, a tristezas sem explicação.
Acho que o grande segredo para evitar chegar a esses pontos cegos, a esses labirintos aparentemente sem saída é o timing, é estarmos atentos, percebermos os pequenos sinais, as pequenas decepções, as pequenas quedas de temperatura. Nada passa do quente ao gelado abruptamente, de uma hora para outra, há um longo período de mornidão entre esses dois extremos. E o morno é que é o grande perigo, pois nos leva a nos acomodarmos, a fazermos de conta que está tudo bem e que, a qualquer momento, vai esquentar de novo. Mas, isso raramente acontece e vamos, dia a dia, passo a passo, caminhando do morno para o frio, até não ter mais a menor motivação para sequer pensar em reaquecer o que esfriou.
Eu não sei qual é a solução para isso, apenas desejo estar atenta e sensível o bastante para perceber quando o caldo começar a amornar e quando começar a me tornar ausente do olhar em que um dia me vi. Creio que a responsabilidade pela manutenção da paixão em nossas vidas é algo que está em nossas mãos e requer muita atenção e delicadeza. Uma fogueira não se apaga se nos dispomos a puxar as brasas, soprar as cinzas e colocar mais lenha. Nosso grande mal talvez seja fazer de conta que não vemos o óbvio ou então esperar por um milagre que faça tudo ficar bem de novo. Aí o milagre não vem, colocamos a culpa no outro, no chefe, na empresa, no governo, na política, no Lula, no Temer, no Eduardo Cunha, e simplesmente perdemos o que deixamos esfriar, o que não alimentamos, o que não nos demos ao trabalho de cultivar. C’est la vie!