Uma multidão está reunida para assistir ao show de uma banda famosa. As pessoas enfrentaram filas para entrar e batalharam por um lugar com boa visibilidade e acústica. Os minutos que antecedem a abertura são de expectativa, mas, toda a ansiedade da espera e o desconforto da aglomeração são compensados pela performance dos músicos que, durante duas horas, oferecem um show magnífico.
Num restaurante, um grupo de amigos se reúne para uma comemoração. Pedem pratos e bebidas diferentes e são prontamente servidos por garçons prestativos que garantem a satisfação de todos. Saem elogiando o serviço e a boa comida.
Num estádio de futebol – e diante de muitas TVs – milhares de pessoas vibram, torcendo por seus clubes numa decisão de campeonato. Um jogo tenso e difícil. Os atacantes e o meias fazem jogadas precisas, mas a defesa parece se esmerar ainda mais e a bola não consegue alcançar a rede em nenhum dos lados do gramado. Os torcedores gritam, vibram, alguns xingam, outros até brigam, já passa da metade do segundo tempo e nenhum gol foi marcado. Quarenta e quatro minutos e um atacante miúdo faz um drible digno de Pelé e Mané Garrincha e, para alegria de uns e desespero de outros, marca o tão esperado gol da vitória.
Num cinema, centenas de pessoas se extasiam diante de cenas de tirar o fôlego, num filme cuja saga se desenrola ao longo de anos, mostrando os mesmos atores jovens, maduros e, no fim do filme, completamente envelhecidos como se, diante do público atento, várias décadas tivessem transcorrido naqueles 120 minutos de duração do filme carregado de efeitos especiais que levam do choque ao encantamento.
São situações aparentemente sem nenhuma conexão, mas todas têm algo em comum: os bastidores, o que está por trás de tudo, do grande espetáculo de música, da boa comida servida no restaurante, do jogo decisivo e do filme. Passamos pela vida apreciando o que gostamos, sendo servidos, usufruindo e raramente paramos para pensar na infinidade de ações necessárias, no tamanho do esforço e na coordenação precisa para a preparação de tudo o que nos encanta, nos satisfaz, nos serve, nos permite viver e usufruir do que a vida oferece.
Há alguns meses estou construindo uma casa. Assim que uma parte dela ficou minimamente habitável, eu me mudei levando apenas o essencial, deixando meus móveis e utensílios em um galpão alugado. Literalmente, mudei para um canteiro de obras e isso é algo que não dá para explicar. Ver os objetos pessoais misturados a montes de piso, tijolos, latas de tinta e sacos de argamassa e cimento é uma experiência única. Levantar bem cedo, fazer um café e receber os operários, que vão se revezando, dependendo das tarefas que executam. Você mal decora os nomes de uns e eles já são substituídos por outros.
Precisei incorporar à minha rotina respirar poeira o tempo todo, treinar o olfato para distinguir os mais diferentes cheiros e afinar os ouvidos à sinfonia de betoneiras, makitas, furadeiras, lixadeiras e marteladas em si bemol, que me fazem esquecer o som do silêncio. No entanto, essa ousada decisão de me mudar para uma casa em obras abriu meus olhos para esse oculto universo dos bastidores. Quando vemos o espetáculo pronto, quando apreciamos um prato saboroso, comemoramos a vitória ou amargamos a derrota do nosso time e nos extasiamos diante de um filme bem feito, não costumamos parar para pensar nas exaustivas horas de ensaio, na quantidade de pessoas necessárias para montar o palco, as conexões elétricas, a iluminação. E os atletas? Quantas horas por dia de condicionamento físico, controle da alimentação e concentração? Quantas pessoas chegaram àquele restaurante de madrugada para comprar produtos frescos e de boa qualidade, lavar, cortar, combinar os ingredientes, temperar e cozinhar os pratos servidos por simpáticos garçons naquela reunião de amigos? Quantos meses num seting de filmagem e que infinidade de pessoas para garantir que meia dúzia de atores brilhasse na tela do cinema?
Para que uma casa seja construída, há que se fazer a fundação, os baldrames e alicerces, depois as colunas, as paredes, as cintas de amarração e as vigas. Tudo calculado, obedecendo a um projeto. Depois vem a colocação da laje e do telhado, um capítulo à parte que exige uma maestria excepcional. E a instalação de batentes e janelas, algo que parece simples, mas é não é. Isso sem esquecer da instalação hidráulica e sanitária e de toda a complexidade da parte elétrica para garantir que as tomadas funcionem e as lâmpadas acendam. E depois, o acabamento. Até que uma parede ganhe a linda cor escolhida pelo dono da casa, há o lixamento, a selagem, mais lixamento, preparação de fundo, massa corrida, mais lixamento, pintura, retoques…
Quando isso tudo terminar, quando a última peça do piso for instalada, posso não ter me tornado uma expert em construção, mas, sem dúvida, uma lição ficará para sempre e é essa preciosa lição que quero hoje dividir com você: qualquer coisa que faça na vida, procure olhar os bastidores, tente pensar em quantas mãos e quanto esforço e habilidade foram necessários para que a roupa que você usa fosse feita, a comida que você come, desde o plantio da semente, chegasse à sua mesa; o seu carro, o seu perfume, a sua maquiagem, o seu repouso, o seu lazer. Enfim, para viver mais feliz, tente pensar no que há por trás de tudo, em quanto o universo teve de se esmerar para que você simplesmente viesse a existir e pudesse desfrutar do que a vida oferece, do nascer do sol à última estrela que brilha na noite para lhe apontar a direção.