Nestes preguiçosos dias de carnaval, proseando com meu amor, pus-me a recordar alguns episódios de quando trabalhei no metrô de São Paulo, de 1992 a 2002. Ao trocar algumas mensagens com minha amiga Vilma de Ponti, minha mais longa amizade, lembrei como nos conhecemos, no primeiro dia de aula da 5ª série, no Zacharias, aos onze anos, quarenta e dois anos atrás. E, tudo isso, parece que foi ontem…
Em meio século, quantas coisas vividas! Quando somos jovens, não nos preocupamos muito com recordações por termos um ritmo de vida mais acelerado e por estarmos ocupados em construir as recordações do futuro. Na meia-idade, nosso ritmo é mais lento, menos apressado, livre das incertezas e instabilidades da adolescência, do frenesi dos 20 anos, das angústias dos 30, da pressa em fechar as lacunas e realizar o que é necessário dos 40, período em que parecemos lutar contra o tempo. Depois dos 50, é como se uma divina magia se apossasse de nós. Se não nos perdemos no caminho, ainda temos sonhos, temos energia e vigor, porém, já não temos pressa, nossa busca já não é tão intensa e não atiramos a esmo. A costura da colcha de retalhos de nossas vidas está praticamente concluída, carecendo de poucos arremates e pronta para nos aquecer em seu confortável bordado de lembranças.
É certo que alguns chegam a essa idade mais perdidos do que encontrados; muitos chegam frustrados e desesperançados; outros parecem ter completado sua viagem à Terra Santa e fixado morada ao lado do muro das lamentações, pois não sabem fazer outra coisa além de se queixar. Há os que tentam andar pra trás, na tentativa de recuperar as pérolas dos 30, dos 20, dos 15 e acabam agindo como tolos, assemelhando idade mental inferior a cinco anos. Mas, no geral, há essa serenidade que nos envolve. Já sabemos o que podemos e o que não podemos, o que é supérfluo e o que é importante e, se formos empenhados, pacientes e constantes, podemos olhar para o espelho e encontrar uma pessoa muito legal, uma pessoa que vale a pena ser, com suas capacidades e suas limitações.
Não digo que chegamos, mas, geralmente, temos certeza do caminho e já não nos deixamos fascinar e atrair por atalhos. Possuímos uma bagagem mais leve, nos atemos ao essencial, sabemos partir e permanecer e deixar ir quem não quer ou não pode ficar, ainda que isso doa. Não sei como devem ser os 60, os 70, os 80, no entanto, considerando que nosso cérebro também envelhece e que podemos estar sujeitos a degenerações que afetem o nosso poder cognitivo, tenho pra mim que a década dos 50 é a melhor época para recordar e, se recordar é viver, podemos – e devemos – escolher as recordações mais suaves, mais prazerosas, mais coloridas.
Há os que escolhem recordar só o que foi ruim e saem por aí contando e recontando as tragédias que viveram, todavia, por mais difícil que tenha sido a nossa vida, ninguém há que tenha experimentado só o que é mau e, mesmo as vidas mais eivadas de dificuldades, têm seus momentos sublimes, seus pequenos oásis e refrigérios e pode-se sempre optar por recordá-los em detrimento do que não foi bom.
Essa é uma formula que uso e que me faz um bem enorme à alma e, se para lembrar um bem preciso recordar um mal vivido, agradeço a Deus, pelo bem que este mal me fez e pelas raízes fortes que me deu para que as flores das venturas e os frutos das realizações pudessem ser colhidos e saboreados, fazendo da minha história algo que valeu e vale tanto a pena viver e reviver em seus melhores aspectos.
E é isso o que desejo a quem compartilha comigo esta construção – mulheres e homens de meia e os que ainda caminham nessa direção: escolham sempre o melhor para recordar, joguem fora as conchas e, com as pérolas, façam um lindo e apreciável colar.