Porta voz
No comércio do centro da cidade todos conhecem aquele moço que percorre as ruas afirmando e perguntando: “é o João!” e “é o João, né?”. Ele tem um pequeno distúrbio comportamental; porém, é educado e atencioso. Há pouco tempo ele me pediu um rádio. Dei-lhe um, usado em bom estado. Outro dia ele apareceu pedindo rádio outra vez. Perguntei-lhe onde estava o que havia ganho. Ele disse que trocou-o por outro mais bonito, mas que não falava. Quando perguntei para que ele queria um rádio que fala, veio a resposta: “para ouvir o João Moreira”. (Olha ai, João! Descola um rádio que fala, para o menino!).
Canudo
Em 30 de dezembro de 1966 (há quase meio século) aconteceu a formatura dos Auxiliares de Escritório, da Escola de Comércio. Entre os formando estavam eu e o João Moreira (pela data da formatura dá para calcular a idade do Moreira!). Uma semana antes eu passei na frente da casa do Moreira, como fazia todos os dias porque a rua era caminho para minha casa, quando ouvi alguém me chamando. Era a saudosa Dona Matilde, mãe do João, que saiu da casa vindo até o portão para me perguntar se no dia da formatura ela precisava usar um vestido chique. Eu respondi que bastava um vestido normal sem luxo. Para não deixar de brincar com ela fechei a conversa: Dona Matilde, não precisa vestido bonito porque o João também não é um artista! Antes dela responder fui andando, mesmo assim ouvi: “você também não tem muito de bonito”.
Fiat lux
Credita-se à religião ou à tradição a prática do velório. Na realidade, o costume de aguardar um certo tempo para enterrar ou cremar o morto, foi uma necessidade social, porque sem um método científico para determinar a morte, muitas pessoas eram enterradas vivas. O tempo ideal para determinar que a morte havia ocorrido de fato foi de 24 horas, que obviamente parte do tempo era à noite. Sem a luz necessária para mostrar se o cara estava morto ou vivo, foi necessário iluminar o corpo com 4 velas. Mesmo assim, uma vez na vida outra na morte, alguém viaja para o além sem passaporte! Sobre as velas, convém registrar: a fabricação delas era exclusiva dos monges, que logo trataram de colocá-las a serviço da fé.
Punhal
Se perguntarmos quem foi o sujeito mais cruel da história da humanidade, serão citados Pôncio Pilatos, que condenou Jesus; o soldado romano Longino, que espetou Cristo na crucificação; Hitler que dispensa apresentação; Mengele, o médico nazista, que entre outras “bondades” abria o ventre de grávidas judias, tirando o feto e enchendo a barriga de pedra, para saber até onde elas aguentavam; o Imperador Nero, que obrigou a própria mãe a cometer suicídio, o que ela fez cortando o ventre com a espada, dizendo que arrancava o local onde havia gerado um monstro. A lista é mais extensa, porém, a coluna coloca como campeão da maldade o cara que colocou no calendário o ANO. A virada do ano enche de falsa esperança e se acredita que o ano novo é vida nova; uma farsa, porque a cada ano a vida fica realmente mais velha. É muita crueldade!
Sino
Lembrete: Papai Noel não tem nada com o Natal. A data é a comemoração do nascimento de Cristo. Para comemorá-la basta a reflexão. Coisa do tipo: o que eu sou, e o que eu poderia ter sido ou poderei ser. O bom velhinho era uma figura nórdica regional, que lá pelo ano de 1947, uma multinacional de refrigerante vestiu-o com suas cores e divulgou a imagem pelo mundo. O pessoal que se diz cristão monta presépio e insere o Noel no contexto. Até torre de igreja já apareceu com o velhote subindo. Talvez procurando chaminé! No Natal cabem de Noel a Cristo, basta não juntá-los! No dia 25 de dezembro é aniversário de Jesus e de quem mais o desejar.
Cena
Onze horas. Escurece tudo. Encostado na parede, deslizo. Sinto que estou sentado no chão. Tudo parece flutuar à minha frente. Sinto duas mulheres aproximando-se. Uma diz: “ele está desmaiado”. A outra responde: “acho que morreu”. As vozes parecem longe. Vejo os dois vultos saindo apressadamente. Parece que flutuam em mar aberto. Percebo que o chão volta. Sinto que cheguei de algum lugar. Não sei onde fui. Parecia que um manto, tipo o da morte me abraçou. Se foi o da morte foi sereno, tranquilo e repleto de paz. A morte também desiste. Tanto que estou aqui!
Bico
Nos países nórdicos existe uma ave única na arte de ensinar os filhotes a voar. Quando chega o tempo certo, a mãe apanha o filhote pelo bico e voa longe do ninho. A certa altura, ela solta o filho que tem que voar ou se espatifará no solo. As crianças gostam de ver a cena, porque a ave, cujo nome é cegonha, existe em muitos lugares. Os pais, quando não estão dispostos a explicar para os filhos de onde vieram, dizem que a cegonha que traz. Os artistas trataram de eternizar a imagem do bico da cegonha voando para a maternidade.