O silêncio de Deus?

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Uma característica comum a todas as pessoas, religiosas ou não, é a busca de respostas, apoio e soluções numa dimensão superior. Todos recorrem a Deus em suas angústias e necessidades, ainda que não admitam fazê-lo. Na História, existem inúmeras referências de homens recebendo orientação direta de Deus para conduzirem a si e a seus povos. Não há dúvidas de que, para crentes ou descrentes, a Bíblia é um livro intrigante e de difícil interpretação. Há textos que, quando lemos, nos tocam profundamente e parecem ter sido escritos especialmente para nós e outros que é como ler “japonês em braile”, mas, as referências às conversas com Deus, às ordens e orientações recebidas Dele, estão lá, do Gênesis ao Apocalipse. E mesmo as religiões que não se pautam na Bíblia estão eivadas de revelações e preceitos de origem sobrenatural.
Sempre tive curiosidade em saber como eram esses diálogos com Deus, tão claramente referidos nos livros santos. Será que esses homens viam Deus, ouviam a sua voz ou apenas registravam impressões em suas mentes? Ainda hoje é comum ouvirmos pessoas se referirem a ordens recebidas de Deus: “Deus me mandou fazer tal coisa, ir a tal lugar, revelar tal assunto a certa pessoa”. Ouvi uma bonita explicação do Padre Fábio de Mello que, apesar da mídia reduzi-lo apenas a um padre bonito, praticamente um astro, é um homem de refinada sabedoria. Ele disse que Deus nos fala através de sinais, numa linguagem simbólica e específica a cada um, uma mensagem cifrada que apenas o indivíduo ao qual ela é dirigida é capaz de entender. Embora possa haver pessoas que “ouçam” a voz de Deus, eu concordo com a teoria do Padre Fábio e, algumas vezes, já tive sinais tão claros que a mensagem era inequívoca.
Vou dar um exemplo pessoal de uma situação em que eu seguia numa direção e Deus me mandava seguir em outra. Como já escrevi aqui, eu construí uma linda casa num lugar ermo e isolado, em meio às montanhas de Atibaia, onde vivi, sozinha, durante anos, desfrutando do prazer oferecido pela beleza e sossego do lugar, mas também enfrentando toda sorte de dificuldade. Chegou um momento em que a necessidade de sair de lá começou a se tornar premente, mas eu tinha um grande apego ao lugar e à situação e envidava todos os esforços para solucionar os problemas; meu raio de visão se estreitava e eu só tinha aquilo como foco. Mal resolvia um problema e já tinham surgido mais dois ou três e aquilo ia exaurindo as minhas forças, consumindo meu tempo, minha energia, meu dinheiro e minhas esperanças, a tal ponto que eu me sentia presa e sem saída.
Foi então que Deus começou a falar comigo, mas, surda que sou, demorei muito a “ouvir” e a entender. Primeiro, numa chuva forte, caiu um muro de arrimo que pôs a casa em risco. Com determinação e ajuda de amigos, reconstruí o muro. Um tempo depois a chácara foi invadida por ratos. Foi uma tarefa árdua acabar com eles, mas, felizmente, essa praga teve fim. Nesse ínterim, conheci meu marido, nos casamos e mudei para a cidade dele, porém, mantive a casa lá, intacta, indo para Atibaia em fins de semana alternados. Numa dessas visitas, encontramos o quintal lotado de marimbondos. Eram tantos que mal conseguimos atravessar o quintal para entrar na casa e, quando entramos, tivemos que sair imediatamente, pois a casa estava tomada por pulgas. Mais uma vez, foi tempo, energia, humor e dinheiro gastos para vencer os minúsculos invasores.
Um cético pode dizer que exagero, que se trata apenas de coisas comuns e não de fenômenos sobrenaturais, mas eu acredito que é exatamente essa a linguagem que Deus usa para falar conosco, coisas simples, naturais, mas que têm um significado. Ele não aparece em sarças ardentes, em meio a raios e trovões, apenas vai se revelando em coisas que possam tocar a nossa sensibilidade. Primeiro Ele sussurra, depois fala um pouquinho mais alto, mais firme, e vai aumentando o tom na medida de nossa surdez, até chegar ao ponto de gritar, se necessário for. Comigo foi! E o grito de Deus foi colocar uma cobra venenosa dentro do meu quarto, a menos de um metro da minha cama. Não há nada que me apavore mais do que o menor contato com uma cobra, evito vê-las até mesmo em revistas, na TV ou em tecidos com estampas que imitam sua pele. Mas ela estava lá. Era cerca de uma hora da manhã quando a encontrei. O pânico foi imenso. Nós a matamos, arrumamos as nossas coisas e partimos imediatamente, porque, para mim, havia cobras espalhadas pela casa toda. Dessa vez eu ouvi! Quinze dias depois, desmontei a casa dos sonhos, retirei todos os móveis e coloquei a chácara à venda. Mostrei a casa a apenas uma pessoa e ela comprou, algo bastante incomum na atual crise do mercado imobiliário, mas foi assim, simples, fácil, porque era essa a vontade de Deus, sussurrada como uma brisa, depois pronunciada como um vento e, mais tarde, bradada, como um trovão.
No entanto, a minha questão hoje, não é quando Ele fala com a gente, e sim, quando Ele não fala. Quando as coisas vão bem podemos até confundir a voz e a mensagem de Deus, ficar questionando se é ou se não é, pensar que é fanatismo ou coisa de nossa cabeça, mas, o silêncio de Deus é inconfundível. Não ouvi-lo, não sentir a sua presença, é uma experiência única que muitos conhecem e sabem da força avassaladora que tem. É quando precisamos de algo importante e pedimos, rezamos, fazemos novenas e jejuns, imploramos e a coisa não vem, não acontece. É a casa que queremos comprar ou vender, o negócio que precisamos fechar, a injustiça que queremos evitar, o filho que queremos ver liberto das drogas, a pessoa amada que queremos ver curada de uma doença grave, o emprego que necessitamos manter ou conquistar. O desalento é maior quando nos avaliamos como pessoas de bem, que erram sim, posto que são humanas, mas que procuram fazer a vontade de Deus, que vivem de acordo com seus mandamentos, que são justas e boas, praticam a caridade desinteressadamente, são prestativas e solidárias, evitam caminhar por estradas tortuosas, não cultivam vícios, não lesam o próximo, se arrependem de seus erros e tentam consertar o que não ficou bem feito… Enfim, boas pessoas que oram, que clamam e a compra ou venda não se dá, o negócio não fecha, a pessoa querida não se cura e morre – muitas vezes um jovem ou uma criança –, o filho se afunda ainda mais nas drogas, o animal desaparecido não volta, o emprego é perdido ou a condição de desemprego mantida, a injustiça triunfa, o amigo nos trai, cônjuge nos abandona por um amante… e não vem palavra nenhuma, sinal nenhum, alento nenhum. Apenas o pesado silêncio de Deus enche todos os espaços.
Nessas horas, pode-se perder a fé ou encontrá-la verdadeiramente, pois a fé não deve depender de coisas externas, de acontecimentos, de satisfação de desejos. Esses são momentos de encruzilhada, momentos que definem nossa vida, que nos fazem ver quem, de fato, somos. Às vezes, não vemos ou reconhecemos Deus quando Ele nos supre com a sua graça e nos dá aquilo que precisamos ou pedimos, mas, é impossível não senti-lo, não vê-lo, não encontrá-lo quando Ele se ausenta de nós e temos apenas o silêncio como resposta a encher nossos dias e nossas vidas. Talvez Deus não esteja na tempestade, no vento e nem na brisa, mas, na falta dessas coisas, no ar parado quando só o que nos resta é uma pesada interrogação…

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