Muitos começaram a semana animados porque ela nos brindará com mais um feriadão. Viagens, praia, descanso, programas os mais diversos para aproveitar bem o fim de semana prolongado. Para os funcionários públicos, um feriado maior ainda, ponto facultativo na quinta. Bacalhau comprado, um bom vinho ou cerveja para acompanhar, pesquisa do preço dos ovos de Páscoa. Nem trabalho, nem aula, nem compromissos, só alegria! Mas, será que a Semana Santa é só isso? Por que a comemoramos? Qual a sua importância? Muitos não estão nem um pouco interessados em saber, alguns lembram vagamente do sentido religioso destes dias e uns poucos ainda dão a eles a gravidade que eles devem ter e se entregam ao recolhimento e à reflexão.
Estamos numa época em que é pertinente falar de tudo e quanto maior a diversidade de assuntos que uma pessoa demonstra dominar, mais culta e inteligente ela é considerada e tem mais admiradores (ou seguidores). Ah, mas, por favor, só não fale de religião! Não venha com esse papo careta, afinal o estado é laico, a sociedade é neutra e os que creem devem respeitar o direito dos que não creem (mas que não abrem mão do feriado religioso para descansarem e se divertirem!).
Falar de Deus, de fé, de religiosidade perturba, incomoda, é desagradável, gera “deslikes” e dá vergonha, afinal, é chato ir contra a maré e parecer inadequado, ultrapassado e fanático, porque, as pessoas que se aventuram a tocar nesses assuntos, tenham ou não uma religião, são todas colocadas no mesmo balaio: fanatismo. Algo, aliás, previsto pelo personagem central desta semana e por Ele mencionado como “tempos do esfriamento da fé e da grande apostasia”.
Bem, chega de preâmbulos. A questão é que, para crentes ou descrentes, o que se relembra nesta semana, até a sexta-feira, e o que se comemora no domingo, é igual em importância ao Natal. Não, não me refiro a datas que promovem o aquecimento do comércio, mas a eventos que mudaram os rumos da humanidade. Duas pontas de um fio que dividiram a história ao meio. De um lado o nascimento de Jesus, do outro, a sua paixão, morte e ressurreição.
Não vou me alongar demais e nem entrar em detalhes teológicos, mas, gostaria de lembrar palavras do próprio Jesus ao dizer que as pessoas deveriam ser quentes ou frias, pois os mornos Ele vomitaria de sua boca (Apocalipse 3:16). Hoje temos um pouco de quentes, uma boa quantidade de frios e uma esmagadora multidão de mornos (infelizmente, quase todos praticantes de algum tipo de religião). As pessoas que não creem, mas não implicam, perseguem ou zombam de quem crê, estão se posicionando, estão escolhendo um lado. Os que creem e não se envergonham disso, defendem seus pontos de vista e, igualmente, respeitam quem não pensa como eles, também estão fazendo a sua escolha. Mas, daqueles que aparentam crer, frequentam cultos, pagam seus dízimos e praticam a sua suficiente dose de caridade para “ganhar o Céu”, muitos são os mornos a quem Jesus se refere.
Ninguém é obrigado a crer, mas, quando crê, não pode fazê-lo pela metade. O Evangelho, embora tenha passagens comoventes, que levam uma mensagem de esperança, não é um livro bonito e agradável, ao contrário, é um livro difícil e, em muitas partes, indigesto, cruel até. É um remédio amargo. Um rígido código de conduta e um claro anunciador dos eventos pelos quais a Terra tem passado e continuará a passar até a volta de Jesus. Puxa, falei! É, Jesus prometeu que voltaria e eu acredito 100% nisto.
Não podemos pegar do Evangelho somente as partes que nos agradam, que afagam o nosso ego e levantam o nosso ânimo. Infelizmente, as partes que nos mostram como somos falhos e como é fácil resvalar pelos abismos da decadência e da perdição também são necessárias. Até mesmo o Sermão da Montanha, tido como um dos mais belos, consoladores e importantes textos já escritos, ao mesmo tempo em que fala que os tristes serão consolados, que os que têm fome e sede de justiça serão saciados, que os misericordiosos alcançarão misericórdia, fala também que poderemos ser postos numa prisão da qual não sairemos até termos pago o último ceitil; fala que estreita é a porta que leva ao Reino dos Céus, que não será facilmente franqueado a todos. Fala de um Deus que é misericordioso, mas que também é justo e coerente. E, embora hoje se insista em dizer que bem e mal, certo e errado são conceitos relativos, nos mostra claramente o que é certo e o que é errado e as consequências de um e de outro.
O que tem acontecido é que muitos não concordam com todo o conteúdo do Evangelho, então, tentam adaptá-lo a si, em vez de se adaptarem a ele. Preferem destacar as passagens que lhes agradam como “Pedi e obtereis, buscai e achareis” e suprimir o que é mais duro ou desagradável, como: pecado, castigo, inferno, julgamento. Por isso, criam outros evangelhos, segundo alguém, segundo alguma doutrina e ficam só com a parte açucarada dos ensinamentos de Jesus.
Modernamente, é comum as pessoas atribuírem as partes mais duras, difíceis e controversas a erros de tradução, erros de interpretação, acréscimos ou chegam ao cúmulo de dizer que este livro já está “ultrapassado”. Mas, não está, sobretudo porque ainda não se cumpriu de todo, mas, gostemos ou não, concordemos ou não, temamos ou ansiemos por isso, creiamos ou consideremos loucura, esse cumprimento só se dará com a volta de Jesus. E não se trata de uma volta figurada ou da filosoficamente bem elaborada afirmação de que Ele não vai voltar porque nunca saiu daqui, sempre esteve conosco. Sim, subjetivamente, Ele sempre esteve no meio de nós, vive em nossos corações (quando permitimos, claro! e temos permitido cada vez menos), mas, a sua volta é uma promessa, e é literal.
Muitos católicos vão à missa todos os domingos e, à frase proferida pelo padre na oração eucarística: “Eis o mistério da fé!”, respondem: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!” ou “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda.” Respondem isso, mas, não falam sobre isso, não pensam sobre isso e nem mesmo acreditam que isso vá acontecer. Falam apenas por falar. No meio evangélico o retorno de Jesus é mais discutido e aguardado, mas, muitos que assim creem também não mostram coerência entre o que apregoam e o que vivem, pois, a sua sede de prosperidade e posse de bens materiais é tão grande que parecem estar menos preocupados com o Reino dos Céus do que com a vida confortável na Terra. Os espíritas, dentre todos, os mais racionais e caridosos, vivem de adaptações a excertos da Palavra e negam a volta de Jesus.
Pretendo com este texto, um pouco diferente da minha escrita habitual, provocar um estranhamento que leve à reflexão. E desejo que, mais que o bacalhau na sexta, a preguiça no sábado o chocolate e o churrasco no domingo, esta Semana Santa culmine na esperança provocada pela certeza de que, por pior que o mundo pareça estar, nada está perdido, porque Ele voltará e restabelecerá todas as coisas nos seus devidos lugares.