O preço da liberdade

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     “Ainda que feita de ouro, uma gaiola continuará sendo uma prisão.”
     Talvez o maior desafio do ser humano seja manter-se livre. A frase com a qual abro o texto, a ouvi de um atendente de uma financeira com o qual conversava sobre as várias prisões a que o homem se submete enquanto ele avaliava os meus documentos para um empréstimo emergencial a juros escorchantes, algo que, sem dúvida, diminui liberdade de todos que se submetem a esse tipo de enrascada financeira.
     Gostei da frase e, a partir dela, meditei longamente sobre os diferentes tipos de aprisionamentos que cerceiam a nossa liberdade. Quando se fala em prisão, logo pensamos naqueles presídios horrorosos,  sujos e lotados,  onde as pessoas se amontoam, se sujeitam e cometem todo tipo de violência e, se não entraram ali bandidos, bandidos dali sairão. Mas, há muitos outros tipos de prisão, até mesmo para criminosos. Há as que vemos em filmes americanos: um ou dois prisioneiros por cela, camas limpas, boa comida, travas eletrônicas, uniformes decentes, esportes, bibliotecas, o que pode até oferecer mais conforto para os infratores, mas, não os torna menos criminosos e nem os deixa mais livres do que aqueles que lotam as prisões do terceiro mundo.
     Porém, não são apenas as pessoas que infringem a lei que são aprisionadas, aliás, a maioria nem é. Há as prisões cotidianas, aqui fora; prisões que, de tão sofisticadas, nem parecem prisões. Podem ser casas luxuosas, relacionamentos de fachada, medos, temores, angústias, síndrome do pânico, deficiências ou acidentes que prendem as pessoas em corpos que não podem andar, controlar bexigas e esfíncteres, interagir, atuar, obedecer a mente.
     O pior tipo de prisão, no entanto, é a prisão ideológica, pois quem está protegido por suas grades douradas sequer se dá conta de que está preso e, pior, num tipo de prisão do qual é quase impossível sair, uma prisão onde dificilmente acontecem fugas e rebeliões. As ideologias podem ser políticas, utópicas, consumistas, esportivas, religiosas. São aquelas certezas que carregamos a vida inteira, convictos de que são nossas e um dia acordamos – ou não – e percebemos que elas são de outros, que elas nos foram impostas, coladas em nossas mentes como se fossem nossas, e isso, não raro, começa a acontecer ainda na infância. 
     Muito poucos são os seres humanos que conseguem manter-se livres e independentes, normalmente esses são os que têm as ideologias e os sistemas de valores copiados, adaptados, até corrompidos e difundidos para outras mentes, às vezes apenas para algumas, às vezes para milhares, milhões e até bilhões de pessoas. São implantes mentais que parecem tão naturais que somos capazes de matar e morrer para defendê-los. Homens que não são livres não conseguem dizer não, sobretudo ao próprio sistema que os escraviza.
     Nós mulheres, podemos ficar presas a relacionamentos que nos oprimem, sufocam,  violentam, mas, muitas de nós, acreditando-se livres, ainda são presas ao mito do sexo frágil, temerosas em fazer as próprias escolhas, tomar as próprias decisões, cuidar da própria vida, e esse aprisionamento nem vem de homens ou de ideologias machistas, mas, dos ditames da moda, das revistas e programas de TV que, tratem do assunto que tratarem, sempre acabam trazendo matérias sobre exercícios e dietas para perder peso e ficar em forma. Usamos roupas que não nos convém, comemos comidas que detestamos, frequentamos lugares que nos enfadam e até o nosso linguajar é influenciado pela ditadura da moda, do que parece correto e adequado. E, às vezes, nesta nossa bela fase de mulheres de meia, estamos tão enterradas nesses condicionamentos que já não temos forças para acreditar que é possível mudar, que podemos resgatar a nós mesmas e exercer a liberdade de sermos pessoas únicas no mundo, com valores tão exclusivos quanto as nossas digitais.
     Semana passada um amigo muito querido rompeu uma prisão feita de ouro e pedras preciosas. Como um pássaro cansado de cantar dentro de uma gaiola, comendo do melhor alpiste e sendo muito admirado, mas sem poder fazer a única coisa para a qual nasceu um pássaro: voar, ele simplesmente abriu a porta e saiu. Não sei o que acontecerá com ele depois de mais de quarenta anos servindo a uma ideologia que assimilou como sua e para a qual e pela qual deu a vida. Pássaros criados em gaiolas podem ter dificuldade para voar, encontrar alimento e quase sempre se expõem aos predadores. A liberdade pode ser – e via de regra é –  muito solitária e dolorida, mas, assim como uma gaiola, ainda que feita de ouro, será sempre uma prisão, soltar as amarras, tirar as algemas e andar com os próprios pés será sempre liberdade. A esse amigo dedico este artigo e desejo que ele aproveite da melhor forma possível o tempo que lhe resta como um homem livre. “Parabéns pela coragem, que o céu não seja o seu limite, mas o seu infinito e o seu rumo final.”.

 

     Izilda Alves de Oliveira, nascida em Monte Alto, é formada em Letras pela USP, mora em Atibaia e trabalha no setor de habitação da Caixa Econômica Federal, em São Paulo. É escritora e assina seus livros como Isa Oliveira. E-mail: izilda.oliveira@usp.br

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