Vivemos tão à mercê do mau humor e da má vontade das pessoas que até desanimamos e nos questionamos sobre o que fez com que tantas se tornassem tão grossas e estressadas ou então cobertas pelo manto da má vontade. E esses comportamentos, infelizmente, estão tão generalizados que, ao depararmos com aquilo que deveria ser o normal no trato entre as pessoas, até nos surpreendemos.
Esta semana vivi duas experiências que me encheram de gratidão e alegria e renovaram a minha fé na espécie humana por mais algum tempo.
Comprei algumas toalhas para presentear três pessoas queridas por seus aniversários. Essas pessoas moram em outra cidade, para onde eu estaria viajando na sexta-feira. Minha intenção era bordar os nomes delas e, para isso, fui ao ateliê do bordador que conheço, mas, não havia ninguém na casa e o telefone dele não atendeu e não habilitou para mensagem do WhatsApp, o que indica que o número pode ter sido trocado ou que talvez o profissional já nem esteja mais aqui, visto que o meu último contato com ele foi antes da pandemia e, só aos poucos, vamos descobrindo quem partiu e quem conseguiu ficar.
Iniciei a minha saga de encontrar outro ateliê de bordado. Fui para a internet e peguei vários endereços. Comecei pelo maior e mais conhecido; me dirigi ao local, fui muito bem atendida, mas, infelizmente, estavam com demandas grandes e não teriam como bordar minhas toalhas até a quinta-feira.
Para não perder tempo, em vez de ir pessoalmente ao próximo, fiz uma lista dos telefones e comecei a ligar. Uma tristeza, cada um que eu falava me respondia que não tinha como pegar o serviço para o prazo que eu precisava.
Devo ter ligado para todos os bordadores e bordadeiras de Mogi Guaçu e nenhum podia me atender, que decepção! Já ia desistir quando vi um anúncio simples “Dez oficinas de bordados em Mogi Guaçu”. Liguei para o primeiro telefone, era de um escritório de contabilidade. O segundo, um consultório médico. Ia desistir, mas arrisquei ligar para o terceiro.
A mulher que me atendeu, disse: “Não bem, eu não mexo com bordado, eu sou costureira”. “Que pena!”, respondi, “Precisava tanto bordar umas toalhas para dar de presente!” Então, com muita paciência e boa vontade, demonstrando ser uma pessoa muito simples, pelo modo de falar, ela me disse que tinha uma prima que bordava, mas que ela não tinha o telefone e nem sabia o nome da rua, mas podia me explicar como chegar lá, disse que era “facinho”.
Pedi a ela que explicasse ao meu marido, já que dirijo pouco na cidade e não tenho um bom conhecimento dos pontos de referência que ela tinha começado a me dar. Ela aceitou e passei o celular para o meu marido. Fui cuidar de alguma tarefa e até esqueci do caso. Alguns minutos depois, voltei para a sala e ele ainda estava ao telefone com a costureira.
O lugar que ela indicou a ele, da sua prima bordadeira, era do ateliê que tínhamos ido e que estava cheio de encomendas. Mas ela continuou conversando com ele, tentando se lembrar de outras bordadeiras, algumas que já tínhamos contatado; até que ela se lembrou do Bazar Recanto e disse para o meu marido que provavelmente lá a gente iria conseguir. Ele agradeceu-a, desligou o telefone e ligou para o bazar. A costureira tinha razão, eles aceitaram a minha encomenda e fizeram o serviço, que me foi entregue na quinta (escrevo este artigo em trânsito, seguido a minha viagem para levar os lindos presentes).
Eu nem mesmo guardei o nome da costureira, e nem ela o meu, que nem me lembro de ter dito. Ainda assim, eu a conheço. Não me importa como ela se chame, se é gorda, magra, branca, preta, jovem ou idosa. O que sei dela é que ela é uma pessoa iluminada, dessas que fazem o mundo valer a pena e ser um lugar melhor para se viver. Igual ao pedreiro que deixou o seu serviço, pegou a moto e me guiou ao endereço que eu estava procurando quando fiquei perdida, na primeira vez que vim a Mogi Guaçu, numa época que não havia GPS e nem os recursos de mídia que existem hoje em nossos celulares.
Mas, não bastasse isso, Deus ainda quis me dar mais uma mostra da sua generosidade e me presenteou com mais um ser abençoado, que resolveu outra situação para mim, na base da boa vontade. Aliás, extrema boa vontade, numa atitude de quem ama as pessoas e ama aquilo que faz.
Comprei dois livros, que foram postados numa agência dos Correios do Rio de Janeiro no dia 9 de agosto. Era para ter chegado em dois dias, mas, passados 13 dias, nada da encomenda chegar. De posse do código de rastreio, vi que o pacote foi para Mogi Mirim e de lá para Indaiatuba, com a indicação de um erro interno. Como precisava dos livros, todos os dias eu olhava no site dos Correios, até que, no dia 22, me surpreendi com a informação de que a encomenda tinha sido entregue no meu endereço no dia 21!
Fiz uma reclamação e a resposta automática foi de que teria de esperar cinco dias pela resposta. Indignada com isso, liguei para uma das agências dos Correios de Mogi Guaçu. A pessoa que me atendeu disse que não tinha como me ajudar, que eu até poderia ligar no setor de distribuição, mas que não ia adiantar. Ainda assim, atendeu ao meu pedido e me deu o número.
Liguei, passei o código de rastreamento, a pessoa encontrou rapidamente o comprovante do AR e me disse o que o robô já tinha me dito, que a encomenda havia sido entregue no meu endereço no dia anterior. Insisti que não foi. Ele disse que poderia ter ficado na caixa de correspondência, falei que não cabia, a caixa é pequena e a encomenda eram dois livros e tinha a questão do AR.
Perguntei a ele quem assinou como recebedor. Ele, com o papel na mão, me disse que não podia me dar essa informação, que eu deveria fazer uma reclamação no site e receberia a resposta em cinco dias. Falei que já tinha feito isso. “Então a senhora vai ter de esperar cinco dias”. “Mas o papel está na sua mão, é só o senhor me dizer o nome da pessoa!” “Não posso, é informação confidencial”. “Eu vou aí, levo meu documento e o senhor me mostra o AR”. “Sinto muito, o procedimento não é esse. A senhora precisa abrir a reclamação e esperar o e-mail dos Correios…”
Como moro numa curva e a numeração aqui é meio estranha, fui à casa de vizinhos, para ver se algum deles tinha recebido. Nada. Mas, ao sair de um deles, me deparei com a moto do carteiro, que estava fazendo uma entrega. Fui falar com ele e contei o caso. Ele, muito gentilmente, me pediu para lhe passar o número do rastreio que ia ver se conseguia saber o que tinha acontecido. Apenas se lembrava que não tinha feito entregas no meu endereço recentemente, deveria ter sido outro carteiro.
Fiquei extremamente chateada, comparando os serviços privados de entrega, agilíssimos, e o péssimo serviço dos Correios. Mas, vida que segue, fui cuidar dos afazeres, que não eram poucos. Quando foi pelas três da tarde, meu sogro me avisou que o carteiro estava me chamando, Fui para o portão e lá estava ele, sorrindo, com o meu pacote na mão. Explicou que deu trabalho, mas conversou com os colegas até que um se lembrou da entrega, porém, em vez de na minha casa, que é número 683, entregou no número 623.
O bom carteiro foi lá e a encomenda ainda estava na portaria do prédio. Ele explicou o mal-entendido ao porteiro, pegou o pacote e foi levar para mim. Mais que a alegria de receber a encomenda, me tocou o brilho nos olhos dele e o seu sorriso de satisfação, como um herói diante da missão cumprida.
Ele não precisaria ter feito isso. O comum seria deixar o assunto com os robôs dos Correios, que me responderiam cinco dias depois que a encomenda fora entregue, fechando a minha reclamação. A única maneira de reaver os livros seria se quem os recebeu os levasse para mim, pois, devolvê-los aos Correios certamente levaria à devolução para o remetente com o carimbo de “Destinatário não encontrado”, uma vez que seria muito difícil que alguém percebesse a sutileza da diferença de apenas um número, o 2, no lugar do 8.
No entanto, o carteiro teve todo esse trabalho de detetive e só descansou quando conseguiu resolver o caso, porque, embora eu também não o conheça e não saiba o nome dele, sei exatamente quem ele é, uma pessoa do bem, da estirpe da costureira. Pessoas comuns, que fazem muito além daquilo que se espera delas, pessoas que não brilham no mundo, mas que fazem o mundo brilhar.