Não se iluda, o passado não era melhor!

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Quando a gente começa a envelhecer, vai adquirindo uma estranha mania de enaltecer o passado e dizer que ele era melhor que os tempos atuais. Não era! Isso é saudosismo. Uma maneira tola de tentar deter o tempo e a marcha natural da vida, uma ingênua forma de não aceitar estar bem mais perto do fim que do começo.

Quem nunca conversou com um velhinho ou uma velhinha e ouviu: “No meu tempo as coisas eram boas! Ai que saudade disso, saudade daquilo…”. Vamos fazer uma reflexão: a menos que a pessoa fosse muito rica – embora até para os ricos algumas coisas também fossem difíceis ou inexistentes –, a maior parte das coisas era de lascar.

Por exemplo, a pessoa trabalhava na roça, plantava arroz, feijão e café, e se vangloria disso, que era uma maravilha, uma beleza de dar gosto. Plantação de arroz é no brejo e quem trabalha nela vive com os pés enrugados e com frieira no meio dos dedos, muitas vezes até perde as unhas, porque, sejamos sinceros, ninguém trabalhava de botas de borracha, de roupa especial, de EPI. Era sapatão, alpargata, conga e, em muitos casos nada de nada, pés descalços mesmo.

Aí colhia o arroz. Pode ser que os mais novos nem saibam, mas arroz vem com casca e precisa ser beneficiado. Aí tinha de ensacar o arroz, arrear o cavalo, jogar os sacos de 60 kg na carroça e levar para beneficiar na cidade. Então, voltava com aquela arrozerama toda, que, se não fosse bem guardada, acabava ficando úmida e mofando. Ou, quem não trabalhava na roça, comprava de quilo no armazém. Não existia arroz embaladinho, bonitinho, limpinho, que a gente nem precisa escolher ou lavar para cozinhar (escolher porque, no beneficiamento, ainda sobrava muito grão de arroz com casca, os chamados “marinheiros”).

Ah, mas tinha mais vitaminas, mais nutrientes. Balela! O beneficiamento tirava o que tinha de tirar do mesmo jeito que tira hoje. Ninguém comia arroz integral, isso é moda recente. E o arroz vinha com tanto pó que tinha de lavar em várias águas e deixar escorrendo, senão, virava uma papa (talvez tenha nascido disso o termo “pó de arroz” para o cosmético usado até hoje). Á água saía tão branca que parecia leite. Minha mãe até nos ensinou a lavar o rosto com aquela água para ficar com a pele bonita. Sabedoria popular, pois o amido realmente ajuda.

O feijão. Alguém que me lê já colheu feijão? Sabe que precisa deixar um tempão no chão para as vagens secarem, e tem de virar de tempos em tempos para não embolorar? Depois vai bater aquilo com varas ou em balaios. A dor nas costas que isso provoca é indescritível. Vou abrir uns parênteses para falar do amendoim que, sinto se decepciono, mas não dá penduradinho numa árvore, como os desenhos animados mostram. Amendoim dá debaixo da terra, na raiz da planta. Aí passa o arado para amolecer a terra, arranca os pés, os vira com as vagens (que todo mundo falava bage) para cima e deixa secar, depois bate no balaio. Chegava a dar febre, de tanta dor nas costas.

E o café, aquelas floradas maravilhosas e cheirosas, aquela beleza de fruto vermelho (sim, café nasce verde, fica vermelho, é colhido e só depois de um longo tempo de secagem escurece, e só fica da cor do pó que conhecemos depois de torrado). As plantações de café realmente são das mais bonitas, acho que só perdem – ou empatam – para os laranjais. Mas, vai carpir café para ver o que é bom na vida! E não se faz ideia da quantidade de cobras que se alojam embaixo das “saias” dos pés de café. E só cobras “boazinhas” como urutu cruzeiro, jararaca e cascavel.

E plantar, arrancar e enrestiar cebola? Outra tortura grega! Cebola também é plantada em lugar úmido, trabalhar naquilo era de matar. Hoje, podemos ver como algo muito romântico aquelas lindas plantações e aqueles lavradores cuidando da terra com esmero e amor. Não! Eles faziam aquilo porque não tinham alternativa, eram pessoas iletradas, pobres, a maioria explorada, trabalhando a troco de casa e comida! Para mim, é muito mais feliz saber que meu arroz, meu feijão, meu café, meu alho, minha cebola, minha batata foi tudo colhido por máquinas, sem exploração de mão-de-obra semiescrava.

Tive inspiração para escrever este artigo ao conversar com uma senhora de 90 anos no Pilates hoje de manhã. Ela, contando que a família deixou a roça e foi tentar a vida em São Paulo, um casal e seis filhos, indo morar em um quarto num cortiço do bairro da Liberdade. Aí ela disse que tinha um banheiro só para várias famílias, de tábuas e com água fria, mas, que, mesmo assim, ela sentia saudades daqueles “bons tempos!” Misericórdia!

Eu só fui usar um banheiro com vaso sanitário aos dez anos de idade. Na minha casa, e na maioria das casas, não tinha banheiro! Havia uma fossa no quintal, sobre a qual se construía um ranchinho de madeira, colocava-se tábuas em cima da fossa, deixando um pequeno retângulo sobre o qual você se agachava para fazer as necessidades, que caíam direto dentro da fossa. Bem, economizava-se a água da descarga e também o desinfetante, porque a m… ficava ali, soltando borbulhas e todo o seu odor, não tinha nada que pudesse disfarçar o cheiro.

Ah, economizava-se também com papel higiênico, coisa de rico! A maioria dos mortais usava folhas de chuchu, já que quase todo pobre tinha uma parreira de chuchu no quintal, jornal velho, papel de pão e, no sítio, até sabugo! De noite, usava-se o penico, que ficava embaixo da cama e, quando não era bem colocado de volta após o uso, inevitavelmente era chutado por quem acordava primeiro e o quarto era lavado de urina logo de manhã. E alguém vem me dizer que tem saudade disso? Eu não tenho saudade nenhuma!

Não existia chuveiro, a gente esquentava água e tomava banho de bacia, jogando água no corpo com uma canequinha. Não existia absorvente íntimo e nem fralda descartável, era tudo de pano, usado e lavado para usar de novo.

Quando mudamos para uma casa com banheiro dentro, chuveiro quente e vaso sanitário, eu queria morar no banheiro! Isso sem falar na pia dentro da cozinha. Oh, glória! Porque antes, a louça era lavada em duas bacias, em cima de um girau (mesa de tábuas sobre dois cavaletes). Não tinha torneira. Era uma bacia com água para lavar a louça (que a gente chamava de estrém: “Vai lavar o estrém, menina!”, uma alteração paulista de “os trem” dos mineiros) e outra para enxaguar. E a roupa era lavada em tábuas e passadas com ferros de brasa. E veja, estou falando de 50 anos atrás! Pouquíssimo tempo.

Hoje, as casas têm um banheiro para cada pessoa, banheiros dentro dos quartos. Secador de cabelo, fogão, liquidificador, micro-ondas, Aifryer, panela elétrica, geladeira (a nossa primeira geladeira foi comprada quando eu tinha 15 anos!), máquina de lavar, secadora de roupa, lavadora de louça (a meu ver, pouco funcional, mas, para quem gosta…) e tantos outros utensílios.

A gente não se comunicava. Uma carta demorava horrores para chegar. Ninguém tinha conta em banco, e, geralmente nem dinheiro! Andava-se quilômetros a pé para ir à escola, ao trabalho e à diversão. E vai-se ter saudade disso? E nem vou falar do celular, que seria forçar demais a barra, alguém mais jovem que esteja lendo este artigo poderá achar que estou mentindo ao dizer que sobrevivíamos sem o smartphone!

As pessoas morriam de dor de dente! Ficavam banguelas aos vinte e poucos anos e tinham de usar dentadura. Quanta gente morria sem nem saber do quê! E morria jovem. Uma mulher da minha idade era uma anciã! As crianças tinham vermes, defecavam e vomitavam lombrigas. Minha irmã perdeu a visão de um olho por causa de um ovo de solitária que se alojou em seu crânio e destruiu o nervo ótico. Quantas mulheres morriam no parto, quantos bebês natimortos!

Por mais que tenhamos tendência a falar mal do presente e enaltecer o passado, o melhor tempo do mundo é o agora. O palácio de Versailles, na França, por exemplo, uma das maravilhas da arquitetura mundial, não possuía nenhum banheiro. Naqueles bailes maravilhosos, ao som de valsas vienenses, que enchem nossos olhos de beleza e nosso imaginário de nostalgia, as pessoas faziam as suas necessidades fisiológicas nos jardins, literalmente, atrás da moita. Imagine a mulherada com aqueles vestidos enormes, espartilhos, saiotes com armação de madeira ou de barbatana de tubarão, calcinhas até os joelhos, amarradas não sei com quantas fitinhas, tendo de fazer xixi no jardim!

Quando ouvir uma pessoa idosa falar que o “seu tempo era melhor”, apenas ouça e acolha. Isso é medo da morte, é se apegar ao que já não existe e, que quando existia, era odiado, para tentar perpetuar a juventude. Daqui a alguns anos, já não existirão equipamentos com fios, provavelmente a escrita à mão terá desaparecido, os carros serão voadores ou até se desenvolva o teletransporte e a comunicação por telepatia; não haverá mais dinheiro, você poderá ter um chip implantado na sua cabeça e viver uma vida superiormente mais saudável, mais fácil e mais fascinante que a de hoje. Mas, ainda será um mortal. Então, olhará para o passado e dirá: “Que saudade do meu tempo, quando a gente fazia um Pix, empréstimo consignado, abastecia o carro com gasolina, navegava no Instagram, tirava selfie com o celular e ficava sem internet na metade do mês porque consumia tudo antes de vencer a próxima conta!”

Viva bem a sua vida hoje acreditando que tudo sempre vai melhorar, a menos que acabe antes. E, se quiser uma boa dica sobre este assunto, assista ao filme “Meia noite em Paris”, do Woody Allen.

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