Minhas últimas três semanas foram muito tensas, ainda bem que teve o feriado de carnaval para relaxar. Há menos de um ano eu começava a me preparar para aposentadoria, que estava a apenas dois anos e meio de distância. Fiz um projeto, fiz cursos para me capacitar para realizá-lo e comecei a me despedir de minha rotina de trabalho.
No entanto…
No entanto, o roteirista resolveu me apresentar mudanças no script. Começou com alterações nas regras da aposentadoria, que transformaram meus dois anos e meio em cinco, talvez seis.
Em seguida, o destino me trouxe o grande amor da minha vida, aquele com o qual eu sonhei, mas acreditei que nunca sairia do domínio dos sonhos, afinal, aos 50 a gente já tem tarimba suficiente para saber que contos de fadas são apenas contos de fadas, só que não.
Com o encontro com meu grande amor, mudei de casa, de cidade, de estado civil e de local de trabalho.
Assim, eu que estava prestes a me aposentar, ajeitando a chuteira para pendurá-la de vez, me vi tendo de recomeçar. E um recomeço com letras maiúsculas e garrafais. Nas tensas três últimas semanas, fiz um curso num setor da minha empresa do qual eu não conhecia absolutamente nada, diria que foi algo como sair do administrativo e ir para linha de produção, tendo de aprender novas habilidades e experimentar novas posturas. Na semana seguinte à de formação, tive a prática operacional e na seguinte comecei na nova função, tendo quatro dias para assimilar todas as atividades do colega que sairia de férias. Tantas coisas, práticas diferentes, técnicas específicas, tantas informações, sistemas e atividades novas e – pela minha ignorância delas – complexas que me senti perto de uma pane mental.
Numa manhã, lendo um livro do Padre Fábio de Melo (que, para mim, não é um padre escritor, mas um escritor padre), me deparei com ensinamentos sobre a humildade e a simplicidade. Ainda estava sofrendo muito com todo o tormento da nova rotina e dos novos aprendizados e as palavras do autor, que admiro, me tocaram, mas não pude abarcar todo o seu significado.
Na tarde desse mesmo dia, a luz então se revelou para mim, numa quase epifania. Comprando um sorvete, ouvi da atendente, uma mocinha de uns 15, 16 anos: “Desculpe, não ficou muito bonito, é que ainda estou aprendendo.”. Essa confissão de humildade, esse admitir não saber fazer algo, me atingiu em cheio, mais até que as palavras do Fábio de Melo. Foi então que percebi que o meu medo, toda aquela angústia e incômodo que eu vinha sentindo não tinha sua raiz no fato de eu não saber fazer o novo serviço, mas no não saber não saber. É muito, muito, muito difícil para mim não saber algo, admitir que não sei, então, é superlativamente pior, mas, assim como a mocinha do sorvete, nova naquela atividade, eu simplesmente não sei uma série de coisas básicas, triviais, mas a mim completamente desconhecidas.
Tenho que admitir, é difícil não saber, mas é mais difícil não saber não saber, porque isso faz com que nos sintamos impotentes e envergonhados. Veio ainda em meu socorro uma velha afirmação da minha mãe, quando eu tentava adiar uma coisa – enrolar – por não saber como resolver; nessas ocasiões ela me olhava sério e me mandava fazer. E quando eu respondia: “Mas, eu não sei…”, ela logo dizia: “Aprende, ninguém nasceu sabendo!”
E é assim que é. É assim que deve ser. Podemos aprender qualquer coisa, basta nos munirmos de modéstia e coragem e não ter medo de não saber não saber.