Picada de Marimbondo
Picada de marimbondo,
Como o amor que não vingou,
É ternura desprezada,
Pé de flor que não brotou.
Marimbondo, bicho estranho,
Abelha que não faz mel,
Sua picada dolorida
Fere até anjo do céu.
Marimbondo fez morada
Na casa dos meus anseios,
Fez seu ninho nos meus sonhos,
Ferroou meu corpo inteiro.
Picada de marimbondo
Como o amor que não vingou,
É ternura desprezada,
Pé de flor que não brotou…
Hoje tomei a liberdade de iniciar esta coluna com o trecho de um poeminha singelo que achei nos meus guardados, versinhos simples que bem poderiam se transformar em moda de viola (quem sabe?), mas que, em sua simplicidade nos levam a refletir sobre alguns riscos desnecessários que corremos quando agimos sem pensar.
Conheci uma moça muito dada às questões de proteção ambiental e respeito a todos os seres vivos. Um dia ela chegou em casa e viu o início de uma casinha de abelhas na parede da garagem. Ficou emocionada pela deferência recebida dos bichinhos que escolheram sua humilde morada para construir sua colmeia. Os dias passavam e ela mais e mais se encantava com a rapidez e eficiência com que os operosos insetos avançavam na construção. Logo apareceu alguém que lhe aconselhou botar fogo naquilo antes que crescesse, mas, ela rebateu com seus retilíneos conceitos sobre o respeito à vida e a convivência harmônica entre todas as criaturas.
Mais o cacho crescia, mais conselhos ouvia para que desse fim àquilo, agora já um pouco mais difícil devido ao aumento na quantidade das estranhas “abelhas”. Alguém sugeriu tocar fogo, até se ofereceu para ajudar. Outro falou em veneno e uma colega mais politicamente correta sugeriu procurar a ajuda de um apicultor para remover o cacho em segurança e transpô-lo para um lugar onde não oferecesse perigo. E, entendida na arte de criar abelhas e extrair mel, acabou logo com a ilusão da outra: não eram abelhas e sim vespas, cuja ferroada é dolorosíssima e pode ser muito nociva à saúde e oferecer até risco de morte se a pessoa atacada for alérgica. Mas, a “dona” do vespeiro (que ainda acreditava serem abelhas produtoras de mel) achou tudo aquilo um exagero.
Certa manhã, atrasada, ao tirar o carro da garagem, fez um movimento brusco que “irritou” suas vizinhas e uma delas foi certeira em sua orelha esquerda, picando e provocando dor, inchaço e vermelhidão que demoraram dois dias para melhorar. O fato a constrangeu, como podiam tratar dessa forma a sua protetora? Bem, para encurtar a história, abelhas, vespas e marimbondos são insetos e, ainda que apresentem um modo de vida surpreendentemente organizado, não raciocinam… Quando sentiu que estava perdendo o controle da situação, com vergonha de pedir ajuda e mostrar que estivera errada, a pobre moça comprou um frasco de veneno e, sem nenhuma proteção, partiu para o ataque às ingratas vizinhas. Quem já viu o ataque de um enxame pode deduzir o desfecho, quem nunca viu, pode imaginar…
Outra conhecida, também desajuizada, essa já na categoria das mulheres de meia, conheceu um simpático e frágil homem infeliz no casamento e que muito se admirou de que todas as mulheres do mundo não fossem tão compreensivas quanto aquela sensível, bem apanhada e solitária dama. Não demorou que passasse de ouvinte compreensiva a amiga carinhosa (vespeiros se instalam muito rapidamente). Também dessa vez, não faltou quem a aconselhasse, mas, feito a outra, não admitiu que pudesse estar equivocada em uma coisa tão óbvia, aquele gentil e mal compreendido homem não era como os outros, afinal, já era um senhor de seus mais de 60 e ela também já não era uma menina… Por que ser contra a natureza e tentar impedir que as boas e operosas abelhinhas produzissem o seu mel?
Está certo que estranhou alguns sumiços e alguns comportamentos estranhos, talvez não se tratasse de abelhas e sim de marimbondos, com hábitos muito peculiares, como ficar sempre escondidos, construir seus ninhos nas frestas das paredes, preferir o escuro à luz do dia, não andar em bandos, mas em voos solitários, sumir inesperadamente… Ah, mas toda abelha tem seu fascínio e talvez o marimbondo fosse apenas uma abelha grande!
Tudo evoluiu, com atenções e carinhos, torpedinhos e telefonemas até culminar no óbvio e no óbvio do óbvio: na manhã seguinte a uma inesquecível noite de amor, a dona da fresta onde se alojaram os marimbondos mandou uma emocionada e terna mensagem e recebeu de volta: “Por favor, não me escreva sem que eu o faça primeiro. Não seja imprudente. Não quero causar dor e desarmonia à minha esposa.” Bem, quem já foi picado por marimbondo pode se lembrar da dor, quem nunca foi, pode imaginá-la: é lancinante, terrível, ainda mais quando a picada é direto no coração…
Resolvi contar essas duas historinhas para mostrar que mulheres de meia, ainda que inteligentes, espertas e bem resolvidas, às vezes são mais tontas que uma toupeira! Se abelhas começarem a fazer casinha na sua parede, acabe logo com ela. Todo apicultor sabe disso, lugar de abelha não é na porta de casa e, para leigos, abelha, vespa e marimbondo pode parecer a mesma coisa, mas, ainda que o mel seja doce, o ferrão tem o poder de ferir e até de matar. Ser cuidadoso é fundamental porque o mal, quase sempre, tem a aparência de bem e picada de marimbondo é coisa que dói demais.
Izilda Alves de Oliveira, nascida em Monte Alto, é formada em Letras pela USP, mora em Atibaia e trabalha no setor de habitação da Caixa Econômica Federal, em São Paulo. É escritora e assina seus livros como Isa Oliveira. E-mail: izilda.oliveira@usp.br