Há dez anos, esta charge circulou na Internet e provocou muitos comentários e debates, principalmente na área da educação. Embora o autor seja francês, ela reflete perfeitamente a realidade brasileira e não perdeu a atualidade. Houve uma época em que os valores, hierarquias e responsabilidades eram mais claros, mais definidos. Quando um aluno ia mal na escola, ele tinha de dar conta disso, tinha de se explicar para os pais e assumir a responsabilidade por suas notas. Os pais entendiam e respeitavam o lugar do professor e não o desautorizavam diante dos filhos, nem achavam injusto que ele tivesse dado notas baixas para um aluno que não se empenhou, não cumpriu com a sua parte dentro da dinâmica escolar.
Hoje, quando os filhos vão mal na escola, muitos pais vão tirar satisfação com os professores que, em sua visão tacanha da educação, deveriam estar ali com a única finalidade de aprovar os alunos, versão há anos corroborada pelo governo com a regra da progressão continuada e com os descaso e desrespeito para com os professores, algo que acreditamos que iria mudar… No primeiro desenho podemos ver o garoto envergonhado pelo seu desempenho, já no segundo, temos um pequeno tirano que conta com os pais para defendê-lo em quaisquer circunstâncias.
Devemos considerar que muitos pais não estão nem aí se o filho tira notas boas ou ruins, se passa ou não passa de ano, se vai ou não vai à escola, mas, não é desses que vou falar hoje e nem me estenderei na questão da educação formal. Quero me ater nos pais que, infelizmente, para desgraça dos próprios filhos e de quem convive ou venha a conviver com eles, alimentam o delírio de que os seus filhos são criaturas perfeitas, acima do bem e do mal e que estão sempre certos. Para desgosto nacional, estamos vendo uma versão ampliada disso com o comportamento do nosso presidente com relação aos seus filhos. Primeiro foi o caso do Flávio, envolvido em questões duvidosas sobre verbas parlamentares, movimentação suspeita de dinheiro e enriquecimento relâmpago não condizente com seus ganhos como deputado e sócio de uma franquia de venda de chocolates, tentando usar o foro privilegiado para se safar, coisas que ele e o pai condenaram publicamente durante a campanha. Um caso bem complicado, cuja agulha da bússola das investigações sobre seu ex-assessor, motorista e amigo, Fabrício Queiroz está apontando na direção dos milicianos do Rio de Janeiro.
Depois veio o Carlos, que expôs publicamente o ministro Gustavo Bebianno, homem de confiança e braço direito do presidente durante toda a campanha. Um assunto que não dizia respeito a ele, fugia da sua alçada, mas, como uma vingançazinha motivada por desavenças durante o período de transição do governo, ele fez a merda toda e o pai, agindo exatamente como os pais da segunda parte da charge, demitiu o ministro, mantendo a versão do filho de que ele era um mentiroso. Mentiroso? Só que não, porque tinha as gravações das conversas via WhatsApp com o presidente, as quais foram divulgadas pela Veja e por emissoras de TV para quem quisesse ouvir.
Como as crianças que disputam quem vai ser o primeiro nas brincadeiras ou nas travessuras, o filho nº 3, Eduardo, não poderia ficar para trás e também veio com a sua pérola, manifestando a sua ‘extremamente relevante opinião’ de que a Justiça não deveria conceder ao ex-presidente Lula o direito de deixar o presídio para ir ao enterro de seu netinho de apenas sete anos. Algo tão cruel que não dá nem para comentar. Desumano.
Outro episódio que mereceu destaque foi a decisão de Bolsonaro sobre a demissão da cientista política Ilona Szabó do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, apenas um dia depois da sua nomeação, desautorizando publicamente o “superministro” Sérgio Moro que, se for realmente a pessoa que penso que é, deve estar amargando um duro arrependimento por ter aceitado o convite para o ministério. Mais uma decisão que Bob pai tomou insuflado pela opinião dos Bob filhos, especialmente Flávio e Eduardo.
Todo governo está exposto ao desgaste e é comum que, com o tempo, as pessoas se decepcionem com o candidato que está no poder, mas, por tudo o que vem acontecendo nesses velozes 60 dias desde a posse, Bolsonaro parece ter batido o recorde de descontentamento, até entre seus simpatizantes. Seus filhos não têm demonstrado integridade, humanidade e ética e o pai apoia incondicionalmente qualquer fala ou ação deles. Mas, como na charge, o problema talvez não esteja nos filhos e sim no pai, que os formou, os direcionou, os elegeu com seu prestígio e continua autorizando-os e aplaudindo as suas atuações. Como em muitas famílias, a palavra “limite” parece não ser conhecida e utilizada dentro do clã. Dá medo pensar no que ainda está por vir…