Diferentemente dos mamíferos que, em sua maioria, andam logo após o nascimento, as aves se demoram no ninho até o momento de alçar o primeiro voo. Nascem totalmente desprovidas de penas. Seus corpinhos vão sendo, aos poucos, cobertos por penugens e, até que as penas se desenvolvam e suas asinhas se fortaleçam para elas poderem voar, as mães, prestimosas, lhe trazem comida no biquinho. Com os seres humanos também acontece mais ou menos assim. O bebê humano demora a adquirir independência, requer cuidados até que suas habilidades se desenvolvam e ele esteja preparado para alçar voo por si mesmo.
Tento imaginar como deva se sentir o filhote de passarinho quando chega o momento de dar o seu primeiro voo. Deixar o aconchego do ninho, a proteção da mãe, a companhia e o calor dos irmãos e enfrentar as alturas pela primeira vez, testar suas asas, desafiar o vento, alçar voo e, finalmente, encontrar o seu destino, integrar-se à sua vocação de ave, viver plenamente o seu dom de voar.
Com os humanos também é assim e, como os filhotes, também enfrentam a insegurança e o medo quando chega a sua hora de voar. Muitas vezes, esse momento chega com o primeiro dia de aula de uma criança, quando o ambiente desconhecido da escola representa a imensidão do céu na hora do primeiro voo. Assim como a mamãe pássaro não pode voar no lugar do seu filhote e nem pegá-lo com o bico e levá-lo de novo para a terra firme para que ele não sinta medo, também a mãe humana não pode ficar na sala de aula junto com seu filho nem levá-lo de volta para casa, porque a escola é o seu voo, o começo de sua independência e da construção de sua identidade como indivíduo, separado dos pais, fora do aconchego do lar.
Os pássaros, depois que aprendem a voar, não costumam voltar para o velho ninho, vão explorar as alturas, aprendem a encontrar a própria comida, procuram árvores para se abrigar e só voltam para um ninho quando chega a hora de acasalar, chocar ovos, ter seus próprios filhotes. Se eles sentem medo ao enfrentar maiores alturas, ventos mais impetuosos, chuvas imprevistas e armadilhas de caçadores é algo que não sabemos, mas, sabemos de nós e o medo de voar é algo que nos acompanha ao longo da vida.
Felizmente, não precisamos abandonar o ninho tão cedo e podemos voltar para casa depois da escola, depois da faculdade, depois do divórcio. Ao contrário dos pássaros, nossos pais estarão sempre lá nos aguardando, ainda que a vida os tenha levado a morar em ninhos diferentes, mas, com poucas exceções, serão nossa referência, nos oferecerão abrigo e proteção. No entanto, voar é algo que sempre precisaremos fazer sozinhos. Podemos até fazer parte de um bando, voar ao lado, mas, é de nossa asas e de nossas habilidades que dependerá o sucesso do nosso voo.
Infelizmente, não temos a mesma autonomia dos pássaros e, muitas vezes, até nos esquecemos do nosso dom de voar, nossa capacidade de enfrentar desafios, superar problemas e experimentar coisas novas, nos arriscarmos, sairmos da zona de conforto que nos apequena e nos adoece. Acabamos, em muitas situações, reproduzindo o pânico e a ansiedade do primeiro dia de aula e buscamos, desesperadamente, alguém para nos apoiar ou até mesmo para nos esconder, evitando enfrentar o que precisa ser enfrentado e aproveitar as oportunidades que nos são oferecidas. Nos apoiamos em mecanismos de defesa do ego e acabamos nos sabotando, acreditando, erroneamente, que somos fracos, que não somos bons o suficiente, que há pessoas melhores que nós e acabamos dando poder e incumbindo outras pessoas de decisões que deveriam ser nossas. Assim, construímos intransponíveis gaiolas em volta de nós, esquecidos de que a maior tristeza na vida de um pássaro é ter asas e não poder de voar.