A Índia possui uma culinária extremamente diversificada, e suas bases de sustentação são os vegetais. De fato, a dieta vegetariana tem uma tradição de mais de 2.000 anos. Durante o período Védico (1500 a.C. – 500 a.C.) os monges sacrificavam animais para os deuses, e consideravam estes animais alimentos sagrados. Este período coincide com a consolidação do budismo e jainismo no país, que pregavam o fim dos sacrifícios animais e do consumo de carnes, ao contrário dos brâmanes, favoráveis a estas práticas. Também os monges hindus pregavam o fim dos sacrifícios e do consumo de carnes, ao início da era cristã. Entretanto, boa parte dos hindus passava acima dos ensinamentos religiosos, e consumiam carnes diversas. Com a diminuição dos rebanhos bovinos no século V a.C., a população passou a evitar o abate do gado, pois dependiam das vacas para fornecerem o leite essencial para a fabricação da manteiga e iogurtes, consumidos nos rituais religiosos. O consumo de carne bovina passou a ser proibido. O vegetarianismo ganhou popularidade com o tempo, atingindo populações de todas as religiões. Os brâmanes proibiam, contudo, o consumo de cebolas e alhos, pois os consideravam alimentos que incendiavam as paixões. Algumas correntes dos brâmanes, entretanto, ainda continuam a consumir carnes de cordeiro. Os vegetais estão mais ligados à cozinha do sul da Índia do que à cozinha do norte. Os padrões da cozinha indiana sofreram muitas influências e mudanças ao longo de sua história, em grande parte devido à chegada de povos estrangeiros. A mais destacada destas influências foi devida à chegada dos muçulmanos, durante o século XVI. Com a introdução dos hábitos alimentares da Ásia Menor, houve a miscigenação das cozinhas, resultando no que se pode chamar de “cozinha mongol”. Temperos foram adicionados à manteiga, cremes e iogurtes, o arroz passou a ser consumido com carnes, e vários pratos passaram a ser decorados com amêndoas, pistaches, castanhas de caju e uvas. Foram introduzidos também o kebab e o pilaf. O costume de se comer doces após as refeições é puramente árabe. A maioria de seus doces é feita de amêndoas, arroz, farinha de trigo e coco, todos preparados com açúcar. Os imperadores da dinastia Mongol foram os grandes patronos deste estilo culinário. Muitas de suas receitas foram criadas durante os reinados de Jahangir (1605-1627) e Shah Jahan (1627-1658). O relacionamento entre hindus e muçulmanos foi cordial durante esta dinastia. Muitos hindus convertidos ao Islã adotaram a nova gastronomia, mas a verdade é que a grande maioria dos hindus manteve seus hábitos vegetarianos. Os hábitos alimentares eram bem diferentes entre hindus e muçulmanos. Os primeiros faziam suas refeições a sós, um dos preceitos religiosos adotados pelas diversas castas. Para os muçulmanos, o hábito era tomarem as refeições em conjunto. Uma toalha de tecido fino (dastur khan) era estendida sobre o chão, e os vários pratos dispostos sobre ela. Os convivas se serviam com os próprios dedos, os quais eram lavados antes da refeição. Embora o poder dos muçulmanos tenha caído, seus hábitos permanecem até hoje. A cozinha mongol emprega, ainda hoje, carnes e vegetais em uma amplitude não usual em outras regiões. A culinária hindu muda de acordo com as regiões, castas, grupos étnicos e orientação religiosa. As receitas da cozinha hindu não eram escritas, passando verbalmente de mães para filhas durante séculos. A cada passagem alguma coisa era mudada ou adaptada. Assim, a cozinha da Índia é de uma diversidade incrível, ainda mais quando se observam as diversas regiões, onde os hábitos culinários e a matéria prima eram diferentes. Outra característica que deve ser observada é que a hospitalidade na Índia é uma instituição, sendo bem conhecida a frase de três palavras, em sânscrito, que diz: Atithi Devo Bhava (“O convidado é o verdadeiro deus”).
Cozinha da Caxemira ― Esta cozinha é baseada no emprego de carnes de cordeiro, cabrito, peixes e frango. Geralmente são temperadas com açafrão e pimentas da Caxemira, que não são ardidas, mas que adicionam uma bela cor avermelhada aos pratos. Vegetais diversos, tais como nabos, ervilhas, lentilhas, batatas, espinafres e raízes de lótus acompanham as carnes, em refeições frugais. Um banquete tradicional é o wazwan, que chega a incluir 36 pratos diferentes, tais como a gushtaba (almôndegas de carne de cordeiro servidas em iogurte e especiarias), seekh kababs (espetos assados de carne moída de cordeiro, temperada com folhas de menta e coriandro, pimenta vermelha, cominho, garam masala, pimenta do reino, gemas de ovo e sal), tabak mas (costeletas de cordeiro fritas em manteiga), roganjosh (carne de cordeiro cozida, com molho de cebolas, coriandro, iogurte, açafrão, tomates, cominho, cardamomo, pimenta vermelha, páprica e sal) e yakhni (creme colorido preparado com coalhada), A abundância de frutas secas, como nozes, avelãs, tâmaras e damascos fazem com que a cozinha regional as utilize em pudins, doces, caldas, temperos e petiscos. O queijo Chaman (similar ao queijo Cottage) é popular, e geralmente acompanha as refeições. As refeições são seguidas por generosas porções de frutas, tais como ameixas, morangos, cerejas e maçãs que aqui são produzidas devido ao clima frio reinante.
Cozinha do Punjab ― Punjab possui uma cozinha abundante, com pratos mais pesados e robustos, despojada de elementos exóticos e caros. O estilo tandoori é considerado como uma das mais simples cozinhas em todo o mundo, usando-se o forno de barro (tandoor), aquecido por baixo com carvão vegetal. São empregadas carnes marinadas, galinhas, peixes e naans (pães mais elaborados feitos com leite, manteiga, iogurte e ovos). Estudiosos aceitam a tese de que esta cozinha Punjab teve origem com os mongóis. O exemplo mais popular é o murg makhani (frango temperado com molho de tomate apimentado assado), que é servido com manteiga. Parathas (semelhantes a uma panqueca redonda recheada de 15 cm de diâmetro) são típicos assados de farinha de milho de Punjab (tais como o rumali), e as laccha parathas, todos assados no tandoor. Nenhuma refeição é considerada completa se não for acompanhada do lassi (bebida doce ou salgada feita de coalhada). Queijos frescos de coalho (paneer) e manteiga branca são largamente consumidos. Outro alimento popular é o ma ki dal (feijão mulato condimentado e parathas recheadas).
Cozinha Mongol ― Os mongóis muçulmanos ocuparam a Índia por um longo tempo, e deixaram suas marcas gravadas na cozinha de Delhi. Sua característica é a sofisticação, praticando-se molhos elaborados, temperos complexos como o currry, carnes diversas ao molho de gengibre e doces incríveis. Da shorba (sopa simples de caldo de galinha ou carne) à sopa de pétalas de rosas (kulfi), a comida mongol é encantadora, elaborada e irresistível, sendo difundida internacionalmente. Um dos mais importantes hábitos deixados pelos muçulmanos para a Índia, foi a refeição comunitária, preparada com elegância e sofisticação, empregando-se pratos de prata, porcelana chinesa e jade. Uma refeição típica para um convidado, geralmente será constituída por 3 a 4 pratos principais de carnes e vegetais, um prato à base de arroz (simples ou pilaf), pães indianos (chapati, naan, poori ou parantha) e uma salada fria com molho de iogurte. Alguns dos pratos usuais na cozinha mongol são o aloo ka raita (batatas com iogurte, temperadas com coriandro, pimenta chili, cominho e chaat masala), badaam halwa (amêndoas doces), chole or chane (grão de bico ao curry), gobi aloo (couve-flor com batatas, ao molho de cominho, gengibre, pimenta chili, garam masala e coriandro), jeera chawal (arroz com sementes de cominho), jhinga masala (lagostins ao curry), kesar chawal (arroz com açafrão), murgh achaari (frango apimentado), palak gosht (cordeiro com espinafre), seekh kebabs (espetos assados de carne moída de cordeiro), tandoori gobi (couve-flor marinada em iogurte).
Cozinha de Bengala ― A grande contribuição da cozinha de Bengala são os doces, geralmente produzidos com leite queimado e coalhos, as rasogullas (bolinhas de coalhada seca doce), jamuns (bolinhos ou “sonhos” revestidos de caramelo), chena murki (pedacinhos de queijo indiano, fritos e cobertos com caramelo), estas são algumas das iguarias de uma imensa lista de dar água na boca. Mishti dhoi, um iogurte adoçado com açúcar mascavo, é uma delícia que não pode faltar nas residências indianas. Além dos doces, a cozinha de Bengala prestigia os peixes, que são preparados segundo várias receitas, na maioria das vezes cozidos em molhos apimentados, ou servidos com molhos de iogurte. O coco e seu óleo são amplamente usados na cozinha de Bengala. Os condimentos empregados são diferentes daqueles do interior da Índia ― o panchphoron (mistura em pó de cominho, sementes de cebola, finóquio, sementes de feno grego e sementes de mostarda) é o tempero usual. De maneira geral, a comida de Bengala emprega sabores doces e condimentados em um mesmo prato.
Cozinha Maharashtrian ― Esta cozinha indiana é caracterizada pela abundância de carnes de seus pratos. Naturalmente, os vegetais estão incluídos em sua dieta diária, e os condimentos são bastante usados para temperar peixes e carnes vermelhas. Já as exóticas cozinhas Konkani e Malwani tiveram origem nas regiões costeiras, e são baseadas nos frutos do mar. O arroz é o mais popular dos grãos, como em toda a Índia, e o coco também é um dos ingredientes mais usados. Amendoins e castanhas de caju são adicionados a saladas e vegetais cozidos, e o óleo de amendoim é o mais empregado nas cozinhas da população. Uma fruta silvestre de cor púrpura, a kokum, é utilizada nas preparações culinárias, para adicionar-lhes um sabor doce e azedo. Geralmente, os pratos são acompanhados de arroz branco ou de bhakris, que são bolinhos fritos de farinha de arroz. Panquecas de arroz fermentado e semolina, denominadas vada e amboli, são comuns como guarnições nas refeições. A mais popular das sobremesas de Maharashtra é o puran poli, um pãozinho de farinha de gram (cereal indiano) e o recheado de jaggery (tipo de açúcar rústico), sempre preparado na passagem de ano Maharashtra. Uma sobremesa comum é o shreekhand (tipo fino de iogurte temperado com cardamomo em pó e açafrão).
Cozinha de Goa ― Esta é uma cozinha cujo estilo é bem reconhecido. Goa foi por séculos uma possessão portuguesa, e seus colonizadores deixaram uma indelével impressão cristã nos costumes regionais. Tem origem na cozinha de Portugal a carne de porco preparada à moda vindaloo (molho de pimentas vermelhas, vinagre, pimenta do reino, sementes de cominho, coriandro (coentro) , cinamomo, gengibre, alho, açúcar mascavo, sal, sementes de mostarda e feno grego) e o apimentado sorpotel (cozido de carne, língua, fígado e coração de porco, gengibre, sementes de cominho, alho, pimentas vermelhas, cinamomo, vinagre, cebolas, sal, e eventualmente sangue de porco). Os peixes com arroz temperados com curry são marcas inconfundíveis. Os pratos à base de peixes e coco são excelentes, traduzindo a vocação natural que seria de se esperar de uma ilha, como Goa. De uma maneira genérica, os pratos são simples e apimentados. Os frutos do mar, as lagostas, camarões e caranguejos estão presentes na maioria das refeições de seus habitantes, que os consomem na forma de sopas, cozidos, saladas e frituras. O leite de coco é largamente empregado, sendo mesmo insubstituível. Outro ingrediente regional apreciado é o kokum, uma fruta vermelho-escuro que proporciona um sabor cortante e azedo. As pimentas, o tamarindo e inúmeros chutneys são uma tentação para qualquer turista que aprecie a gastronomia. A população de origem religiosa hindu prefere as carnes de cordeiro, enquanto os cristãos são grandes consumidores de carne de boi. Entretanto ambas tem nos peixes e frutos do mar uma grande alternativa para as carnes vermelhas. Uma sobremesa deliciosa é a bebinca, elaborada com leite de coco, farinha de trigo e açúcar. Trata-se de um bolo formado por 16 camadas, cada uma assada depois da outra, levando diferentes ingredientes. O rose-a-coque assemelha-se a um crepe ou waffle, que pode ser comido com mel ou geléias. Os modaks são biscoitos típicos de um festival regional hindu denominado Ganesh Chaturthi.
Cozinha Gujarati ― A cozinha de Gujarati é especializada na preparação de vegetais, sendo um paraíso para os vegetarianos. Mas a região também é reputada por seus produtos derivados do leite, tais como o iogurte e a manteiga. Thali é o nome de um jantar em que as comidas são servidas em pratos de prata, e é uma delícia que não pode ser perdida. Na realidade é uma interminável sucessão de vegetais (tomates, pepinos, cogumelos), pães e panquecas, servidos com molhos diversos e chutneys, pratos à base de arroz diferenciados, e ainda outros petiscos crocantes e saborosos. Undhyoo é uma receita que emprega batatas, brinjal (berinjela) e feijões verdes, entre outros vegetais. Mas o prato típico regional é o khichdi, simplesmente a mistura de arroz com lentilhas, que é comida com o kadhi, um molho curry feito com iogurte, folhas de louro, gengibre, pimentas, cebolas e picles. Com o mesmo khichdi prepara-se também o khaman dhokla, um bolo cozido de farinha de grão-de-bico, o doodha pak (leite grosso adocicado com amêndoas) e o srikhand (um doce feito de iogurte, açafrão, cardamomo e frutas cristalizadas).
Cozinha Rajasthani ― A antiga cozinha do principado de Rajasthan resultou em uma cozinha imperial, pelo fato de que a nobreza saía em caçadas reais, alimentando-se das caças que conseguiam capturar. Esta tradição permanece até hoje em seus costumes, pois nas festas regionais as carnes de caças são as grandes atrações. Mas a cozinha vegetariana está presente em Rajasthani. Seus alimentos cozidos em pure ghee (tipo de manteiga) são conhecidos por seus aromas cativantes. A cozinha Rajasthani foi baseada em seus hábitos guerreiros e a disponibilidade de ingredientes nas regiões desérticas. As comidas que durassem mais, e pudessem ser consumidas frias eram as preferidas, mais pela necessidade do que pela livre-escolha. A falta de água e de vegetais verdes influenciou a cozinha regional. A lentilhas e feijões secos são simbólicos na dieta Rajasthani, mas o arroz e o trigo não são cultivados nestas terras. Farinhas de bajra (tipo de cereal indiano) e milho são usadas para se preparar assados e pães de vários tipos. Em Rajasthan o bajre ki roti (pão de bajra) e o lahsun ki chutney (pasta apimentada de alho), associados às cebolas são populares, e até indicados na prevenção das gripes. O leite quase sempre é o substituto da água em várias receitas, e por isto os alimentos são eventualmente indigestos. O apropriado emprego de ervas digestivas alivia os seus habitantes, tais como a assafétida, o sal de rocha, o gengibre e o ajwain (conhecido tempero em pó regional). Os condimentos preferidos são as sementes de feno grego e o kasuri methi (folhas secas de feno grego).
Cozinha de Andhra Pradesh ― O estado de Andhra Pradesh localiza-se na região sul da Índia, e sua capital é a cidade de Hyderabad, fundada pelos muçulmanos em 1590. Sua cozinha é conhecida como a mais condimentada e picante de toda a Índia, e recebeu influência muçulmana mongol centenária, sendo rica em sabores e aromas. São empregados muitos condimentos exóticos, frutas desidratadas, castanhas e amêndoas. Os vegetais e verduras são preparados com molhos condimentados diversos (masalas), resultando em múltiplos sabores. O cordeiro é a carne mais consumida pelos não-vegetarianos. Não pode deixar de ser citado como destaque o biryanis (arroz misturado com carnes e vegetais). Os picles indianos, bem diversificados e comuns nas refeições, são preparados com vegetais ou frutas da estação (manga, limão, lima, gengibre, cebola, alho, pimentões verdes), conservados em óleo de gergelim com ácido cítrico natural do limão, diferentemente dos picles europeus, que utilizam o vinagre. Os chutneys são produzidos com vários vegetais e frutas, tais como tomates, mangas, berinjela e roselle (ou gongura: folhas de hibisco). O aavakaaya é uma conserva de manga verde, e o mais conhecido da cozinha Andhra. O arroz é o alimento mais consumido, sendo preparado como pilaf com curry, como o attu (panqueca de farinha de arroz), ou como o idlis (bolo de farinha de arroz). Entre os peixes, destaca-se o nellore chepala pulusu, com molho de tamarindo.