Domingo é Dia dos Pais, uma data que sempre foi difícil para mim, pois sou filha de pai ausente e, as lembranças que tenho dele, dos primeiros oito anos da minha vida, são de medo, angústia e dor. E, como eu, quantos filhos feridos caminham pela vida?
Normalmente, uma criança tem no pai o seu grande herói, aquele homem capaz de resolver qualquer problema e livrá-la de todos os perigos. Infelizmente, para algumas o pai é o perigo e a fonte da maioria dos problemas.
Nem todos os filhos que têm bons pais sabem valorizá-los e muitos esperam que os pais lhe deem coisas materiais, conforto, brinquedos, roupas caras, carros. Outros, muitos, querem apenas que os pais lhe deem um abraço, que os peguem no colo, andem de mãos dadas com elas e lhes aconselhem e apoiem nas horas difíceis.
Vemos muitos problemas no mundo, a tal ponto de parecer que vivemos a pior época da humanidade, o que não é real, pois já tivemos de tudo sobre esta Terra e a História nos traz testemunhos de períodos catastróficos. Mas, sim, vivemos um tempo de muitos desafios, muita violência, muita agressividade, quando se tornou comum o uso e o descarte de pessoas. Grande parte disso se deve ao fato de existirem legiões de filhos feridos espalhados por todos os lugares.
Lamentavelmente, as feridas provocadas pela violência, pelo desamparo e pela indiferença dos pais provocam danos tão grandes que podem fazer com que muitos fracassem, se percam e, em muitas situações, reproduzam a lição do desamor, numa sequência que parece que nunca vai ter fim.
Ah, se os homens soubessem a importância que tem a presença e o amor de um pai na vida de um filho! Talvez não agissem como agem… Pôr filho no mundo, qualquer bicho põe, isso é parte natural da perpetuidade das espécies, mas, estar presente na vida de um filho, só raros animais conseguem fazer, e nem sempre o homem está entre eles.
Há vários matizes dentro dessa situação. Há filhos e filhas que apanharam (e não falo aqui de um ou outro tapinha, mas de espancamento); há os que foram abusados sexualmente e os que foram abusados emocionalmente. A indiferença está nessa espécie de abuso. Por provar dela, eu sei bem o tamanho do buraco que isso produz na alma, nos fazendo agir como bichos acuados, que podem se perder em vícios, viver relacionamentos doentios ou não saber receber amor genuíno quando o encontram.
Cada criança que nasce é um universo que se abre, é uma nova geração que surge, um ramo de uma família que se perpetua, e isso deveria ser comemorado e agradecido. Cada bebê deveria poder contar com a ternura, o carinho e os cuidados da mãe e, no mínimo, a proteção do pai, embora o ideal seja contar também com o seu carinho e seu amor.
Hoje, eu sou casada com um homem que me ensinou sobre paternidade mais do que qualquer teoria poderia ensinar. Ele tem três filhos do seu primeiro casamento e é um pai tão amoroso, atencioso e protetor que, embora eu ame ser sua esposa, tem momentos que lamento não tê-lo tido como pai, ou ao menos como pai do meu filho que, pior que eu, é filho de um desconhecido que, por mais tentativas de aproximação que eu tenha feito ao longo de quase 40 anos, escolheu manter-se como um desconhecido, não dando ao seu filho sequer a oportunidade de olhar para o seu rosto, ouvir o som da sua voz, conhecer a sua história. Ao filho, ele deu apenas o nome, porque o juiz assim determinou, e perdeu a oportunidade de usufruir de um incomparável tesouro.
Quando o meu pai estava com 83 anos, levei-o para morar comigo, mas o meu deleite durou apenas três meses, ele já estava desenvolvendo sintomas de Alzheimer e vivermos juntos, depois de uma vida inteira de ausência, foi uma experiência muito dolorosa para nós dois e precisei levá-lo de volta a Monte Alto. Curiosamente, apesar de a sua memória ter se degenerado nos dois anos que ele ainda viveu, eu era a única pessoa da qual ele se lembrava, a tal ponto que, todas as mulheres que se aproximavam dele, ele chamava pelo meu nome, um nome que ele pronunciou tão poucas vezes quando teve oportunidade de fazê-lo…
Eu sei que a vida segue e não podemos parar nos traumas de infância, mas, tão menos, podemos negá-los. Muito ao contrário, devemos encará-los e esmiuçá-los tanto quanto possível, dividindo-os em pedacinhos palatáveis para, mesmo sendo filhos feridos, nos tornarmos seres humanos melhores, que consigam interromper o ciclo da dor e não se tornarem pessoas que ferem.
Neste Dia dos Pais, se eu pudesse dar um conselho, eu diria a todos os pais: amem os seus filhos e deixem que eles saibam que são amados. Compreendam, eduquem e sejam pacientes com eles e, mesmo que não vivam ou sequer se relacionem com as mães deles, não se esqueçam de que eles são seus filhos, a continuação de suas vidas, pelos quais, um dia, todos vocês terão de prestar contas. Filho de pai desconhecido só existe em certidão de nascimento e carteira de identidade, porque Deus conhece a todos e sabe exatamente quem é filho de quem. E, na Vida Verdadeira, não importa que desculpas se deem ou que motivos se aleguem, todos responderão por seus atos e por suas omissões.
Aos filhos eu diria: tentem amar e perdoar os seus pais, talvez eles não consigam ser melhores do que são. E, por favor, não deem presente de Dia dos Pais para as suas mães, mesmo que elas os tenham criado sozinhas. Elas são suas mães e isso já é imenso.
E, como não posso excluir esse dia do calendário, gostaria de presentear três pessoas: ao meu marido presenteio com a gratidão por ele ter-me ensinado o que é um pai de verdade; ao meu pai, presenteio com o perdão, para que, tanto ele quanto eu, possamos caminhar mais leves e, ao pai do meu filho, presenteio com a minha misericórdia e com a esperança de que ele se permita, ainda nesta vida, ao menos uma vez, ouvir a palavra “pai” dos lábios de um filho santo.
Eu não sei se, como acreditam alguns, temos mais de uma vida. Porém, se isso for possível e eu puder um dia aqui voltar, pedirei a Deus a oportunidade de nascer mulher novamente e poder ser mãe do meu pai e mãe do pai do meu filho, para poder ensiná-los a amar e curar as suas feridas, porque, certamente, em situações que desconheço, esses dois homens, tão importantes em minha vida, devem ter sido muito machucados para terem se tornado tão frios e indiferentes a ponto de ter filhos aos quais nunca conseguiram amar e dar valor.