Tudo é novo para nós. Tudo tão rápido que nem conseguimos perceber ao certo o que está acontecendo. E é grave. Muito grave. É terrível. Algo que humanidade jamais viveu, a despeito de outras pestes, porque essa engloba o mundo todo. As notícias que nos chegam são estarrecedoras. Uma delas, que nos pegou de surpresa, provocando tristeza e consternação, foi a decretação de suspensão das missas, batizados, exéquias, comunhão e unção dos enfermos (que muitos conhecem como extrema unção). Com a proporção que toma tudo aquilo que perdemos, podemos dizer, com o salmista: “Quão amável, ó Senhor, é vossa casa! Quanto a amo, Senhor, Deus do universo! Minha alma desfalece de saudade e anseia pelos átrios do Senhor.
Num primeiro momento, muitos católicos podem ter se recordado das homilias de seus padres sobre o privilégio de se viver em um país com liberdade religiosa, podendo assistir às missas livremente, enquanto, em alguns lugares do mundo, isso não é possível, e se perguntado por que faltou a tantas missas por preguiça, porque estava vendo um filme, o jogo de futebol ou porque chegou uma visita em casa e teve vergonha de dizer-lhe que precisava sair para ir à missa. Falo das missas porque sou católica, mas outras religiões também deixaram de ter cultos.
Já tivemos outras pestes, epidemias terríveis que dizimaram milhões de pessoas, mas, em todas elas, a Igreja esteve na linha de frente, as pessoas se uniam para rezar e padres e freiras ajudavam a cuidar dos enfermos. As igrejas eram pontos de socorro. Hoje, com essa tragédia do Coronavírus, que como uma nuvem negra se abate sobre a espécie humana, cobrindo todos os pontos do planeta, isso não é possível. Oferecemos risco uns para os outros, já não podemos nos dar as mãos. Estamos juntos, mas estamos sós.
Essa impossibilidade de buscarmos alento nos nossos locais de culto, sobretudo nesse período tão especial para os cristãos, a quaresma e a Páscoa, nos relembra uma realidade da qual a maioria de nós talvez tenha se esquecido: a de que a verdadeira adoração a Deus não é feita em templos de pedras, mas, sim, no templo de nossas almas. Podemos e devemos transformar as nossas casas em nossas igrejas agora, fazendo com que o Santo dos Santos habite no altar de nossos corações. Executemos nossas tarefas em casa, acompanhemos as notícias, leiamos, assistamos alguns filmes, joguemos, conversemos, riamos um pouco com o bom humor brasileiro que consegue fazer boas piadas até nas piores crises, porém, todos os dias, em diversos momentos do dia, reservemos alguns minutos de nosso dia para dobrarmos nossos joelhos em oração. O ladrão está à porta, pronto para nos assaltar, precisamos estar de prontidão, e agora só contamos com a verdade da nossa fé, sem protocolos, sem dogmas, sem preceitos. Somos nós e Deus e, apesar do estado calamitoso no qual estamos entrando, sem dúvida, nunca em nossas vidas foi-nos oferecida uma oportunidade maior e melhor de nos aproximarmos de Deus e de experimentarmos o seu amor como agora.
Estamos todos no mesmo barco e corremos o risco de tombar, porque, assim como o sol nasce para justos e injustos, para bons e maus, a peste também atinge justos e injustos, bons e maus. Ter fé, ter uma religião e rezar não nos protegerá do contágio. Diante dessa doença, não há ricos e pobres, bonitos e feios, famosos e anônimos, pecadores e santos. O que vai nos proteger será a atitude coerente de ficarmos dentro de casa e, se precisarmos sair para trabalhar ou para resolver qualquer urgência, adotarmos os cuidados de proteção exaustivamente lembrados pela mídia e pelas redes sociais: manter distância das pessoas, não tocar, lavar constantemente as mãos, usar álcool gel (quando achar para comprar, claro). É, além de ingênuo, prepotente achar que rezar pode nos salvar ou que Deus vai privilegiar esse ou aquele porque é fiel, porque lê a Bíblia, porque faz parte de alguma pastoral, porque contribui fielmente com o seu dízimo. Esse vírus pegará gregos e troianos, crentes e ateus. O que fará diferença, para quem crê, é a esperança e a tranquilidade de saber que Deus está no controle de tudo.
Muitos podem acreditar – e apregoar – que o que estamos vivendo é um castigo divino de um Deus sanguinário e cruel, mas, na verdade, não se trata de um castigo, e sim de uma consequência. É a resposta da vida aos nossos atos, abusos, desatinos, enquanto pessoas, sistemas e nações. Deu. Chegou. Recebemos um basta. Como fazemos com nossos filhos pequenos, diante de um mau comportamento, Deus está nos colocando no quarto para pensar.
A situação é gravíssima e quem ainda não se conscientizou disso, é bom se conscientizar e se recolher em sua casa, junto com os seus. Essa onda passará, provocará algumas mortes, no Brasil talvez numa quantidade bem maior que em outros países, dadas as proporções territoriais de nossa pátria, a escassez de recursos em nosso sistema de saúde, por tanto tempo desviados para onde não devia e a gritante diferença social que nos caracteriza. Mas, não serão as mortes provocadas pela Covid-19 o maior mal. As piores consequências virão depois, com uma crise econômica mundial sem precedentes; sistemas e países quebrados, arrebentados, provavelmente o fim dos modelos econômicos que conhecemos.
Virá a fome, o desemprego em massa, as falências, a orfandade, o endividamento. Mas virá também o aprendizado. Mães que hoje estão trabalhando em home office, e se descabelando para dar conta dos seus filhos pequenos, terão de reaprender a ser mães; irmãos belicosos terão de aprender a arte de suportar-se; casais precisarão reaprender a arte de amar; adúlteros precisarão reaprender a ser fiéis; famílias precisarão reaprender a arte de conviver, pessoas sem tempo para nada precisarão aprender a parar. Muito do que conhecemos até agora não valerá mais e, os que sobreviverem, inaugurarão uma nova época, uma nova Terra, um novo modo de viver, e de conviver. Estamos vendo o inimaginável e o que virá depois é a maior das incógnitas. Por enquanto, em meio a tantas ofertas de coisas para fazermos em casa, de distrações e entretenimentos para espantarmos o tédio, aprendamos a ficar em silêncio, a nos ouvir e a valorizar as coisinhas mais simples, como descascar uma banana e degustar o seu sabor como se fosse a última banana que comemos na vida, porque poderá, de fato, ser.
As portas da casa de Deus foram fechadas porque ele decidiu nos visitar.
Obs: Depois da escrita deste artigo, o presidente da República decretou o serviço religioso como essencial. Como ainda não há informações mais detalhadas sobre isso, mantivemos o texto.