Fé é um assunto difícil de lidar e pode causar muitas polêmicas. É, antes de tudo, algo de foro íntimo, algo difícil de medir e que pode enganar muito se nos deixarmos levar pelas aparências, pois, o próprio Cristo, quando esteve na Terra, já diferenciava fé e aparência de fé, chamando de hipócritas e de sepulcros caiados àqueles que, exteriormente, demonstravam fé e piedade, mas, uma fé e piedade que não tinham raízes em seu interior.
Sempre que o assunto é fé, pensamos logo em religiosos, das mais diferentes vertentes. No entanto, vergar um hábito, se vestir de um de um determinado jeito, carregar a Bíblia debaixo do braço, decorar versículos, fazer campanhas, jejuns e penitências, recitar salmos ou rezar o rosário não é garantia plena de fé. Quando ouvimos falar de um padre ou uma freira que apostata, de um pastor que larga a igreja, de uma pessoa fiel que envereda por caminhos mundanos, nos chocamos, porque essas pessoas são ícones e exemplos de fé. No entanto, há muitos que continuam exercendo suas funções e cumprindo os seus papéis, mas que já abdicaram da fé há muito tempo. Essas são bem mais nocivas e perigosas, a si mesmas e aos outros.
Na minha vida, conheci algumas pessoas de fé. A primeira delas foi a minha mãe. Ela não era o protótipo da católica perfeita, era desquitada, não fazia parte de nenhuma pastoral da igreja, apenas era fiel às suas missas de domingo. Também não passava os dias rezando, fazia apenas a oração da manhã e a oração da noite e rezava o terço de vez em quando, entretanto, a sua vida era uma oração, a maneira como amava, cuidava, se dedicava e aceitava o que a vida lhe trazia, era exemplar. A sensação que eu tinha é que ela tinha um pacto com Deus, um acordo com Deus. Cumpria as suas obrigações com a Igreja, mas, esses momentos eram apenas os momentos formais de devoção, porque a sua relação com Deus era constante e crescente, tanto que nunca vi ninguém aceitar tão bem a morte e estar tão preparada para ela como minha mãe estava, mesmo tendo morrido ainda jovem, com apenas 61 anos.
Outra pessoa de muita fé que faz parte da minha vida é meu filho, que é sacerdote, talvez pela genética espiritual da minha mãe, porque eu mesma não influenciei a sua opção pela vida religiosa. Ele é do tipo de padre tradicionalista, que ainda usa hábito, faz várias orações em latim e pratica o canto gregoriano. Não é o exemplo de que o hábito não faz o monge, porque vive de acordo com o hábito que usa, no seu caso, hábito e monge são uma coisa só. É sério e comprometido com a escolha que fez e tem uma fé que contagia outras pessoas, porque é feliz com a sua fé.
Outra pessoa é uma amiga de longa data, que vez ou outra menciono porque é um exemplo de ser humano para mim. Se me fosse dado escolher uma mentora, uma “anja da guarda”, sem dúvida, seria essa moça, seu nome é Natalina, pela razão óbvia de ter nascido no dia de Natal. Natalina professa um credo diferente do meu. Ela é espírita, porém, independente de religião, desde muito antes de ela se tornar espírita, ela já era para mim um exemplo de fé e de amor a Deus. A sua vida não é fácil e ela enfrenta uns desafios que não são para qualquer um. Não digo que não vergue nunca, mas, como as varas de um bambuzal, é do tipo que verga, mas não quebra. Pode se curvar quase ao ponto de tocar o solo, mas, o beija agradecida pela oportunidade de aprendizado e se levanta novamente.
Outro grande exemplo de fé que a vida me deu oportunidade de encontrar e conviver é meu amado Henrique. Ele não foi criado em religião nenhuma. Era o típico católico de massa: foi batizado, fez a primeira comunhão e a crisma e assistia uma missa ou outra em alguma ocasião especial, o famosos católico não praticante. Mas, se ele não visitava a Deus em Sua casa, sempre foi muito visitado por Deus. Há cinco anos ele sofreu um baque muito grande, ao perder um filho, uma dor que o segue a cada dia, mas uma dor que deixa à mostra o tamanho da sua fé, uma fé sem encíclicas, sem dogmas, sem tratados de teologia; uma fé pura e simples como o voo de um pássaro ou como o suave balouçar dos galhos de uma árvore sob a brisa da tarde. Uma fé tão pura que me sustenta e sustenta e apazigua a muitos que estão ao seu redor.
E tem também a Mima, uma pessoa que levei a um hospital para morrer, para que não morresse em casa, sem assistência, com um câncer no fígado em estágio avançado, para quem os médicos deram um prognósticos de dias de vida, no máximo, semanas. E que saiu do hospital curada e transformada, a tal ponto que o relato de sua “misteriosa” cura foi parar nos anais da medicina. Quando ela entrou no hospital, era apenas uma pessoa gravemente enferma, fracassada, perdida, sem rumo e sem direção. Quando saiu, era uma mulher de fé, uma coluna do templo. Mima, desde que se curou, faz parte da Congregação Cristã e, nesses quase 20 anos de nova vida, faz o possível para frequentar os cultos, embora nem precisasse, pois Deus mora com ela em sua casinha simples e a ampara e sustenta em todas as dificuldades que ela ainda enfrenta. Não posso visitá-la com frequência, porque moramos em cidades diferentes, mas, amo ir à sua casa, pois, quando me sento à mesa da sua aconchegante cozinha, tenho o privilégio de tomar um café com Deus.
Bem, que salada, não? Católicos, espírita, evangélica, isso até está parecendo um texto ecumênico! Mas, não. São apenas algumas palavras de alguém que gosta de observar profundamente as coisas. Não falarei sobre a minha própria fé porque ela talvez seja mais composta de dúvidas do que de certezas, mas, agradeço imensamente a Deus por esses exemplos tão belos. Conheço muita gente que se diz gente de fé. Conheço gente que reza muito e que ostenta uma aparência piedosa e um zelo formal pelo sagrado, mas, de verdade mesmo, conheço muito poucas pessoas que têm fé, muito poucas que sempre estão onde Deus está, ou melhor, que Deus sempre está onde elas estão.