O “impeachment” presidencial pelo aspecto jurídico-constitucional
e sua possível implicação para a democracia
Publicado no Jornal Folha de São Paulo na edição de 03 de fevereiro de 2015, o artigo “A hipótese de culpa para o impeachment” (1) de autoria do professor e jurista Ives Gandra da Silva Martins suscitou ampla discussão por cogitar pela possibilidade do processo de “impeachment” da atual Chefe do Poder Executivo Federal, a Presidente Dilma Rousseff, em razão da prática de eventual crime culposo de improbidade administrativa.
Muito embora as teses defendidas pelo respeitável professor para tentar fundamentar a responsabilidade da presidente pela “destruição da Petrobras” já tenham sido prontamente rebatidas por figuras nada menos ilustres que Lênio Streck (2) e Dalmo de Abreu Dallari (3) , a possibilidade do articulado “impeachment” se popularizou, inspirando muitos entusiastas de oposição nas redes sociais.
Desvinculando-se de todo e qualquer aspecto político que eventualmente originou o embate e se pautando apenas na previsão jurídico-constitucional a respeito do tema, indaga-se: o que seria e como se sucede um processo de “impeachment” presidencial?
O impeachment é um processo complexo de natureza jurídico-política (mais político que jurídico, diga-se de passagem) que pode levar à cassação do Presidente da República que vier a incorrer na prática de crimes de responsabilidade, assim considerados como os que atentem a Constituição Federal, em especial à existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração; a lei orçamentária; o cumprimento das leis e das decisões judiciais (CF, art. 85).
Evidentemente que em razão do princípio da legalidade, as condutas que configuram crimes de responsabilidade devem ser taxativamente previstas em lei especial, as quais devem estabelecer inclusive as normas de processo e julgamento, sendo pertinentes à matéria, dentre outras, a lei nº. 1.079/50 (com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.028/00) e Lei nº. 8.038/90.
Instrumentalizada a acusação de crime de responsabilidade contra o presidente da república por qualquer cidadão que esteja em pleno gozo de seus direitos político, o procedimento bifásico do impeachment terá início na Câmara dos Deputados, que fará um juízo prévio de admissibilidade por maioria qualificada de 2/3 (dois terços) dos votos, declinando pela admissão ou recusa da acusação imputada à autoridade presidencial.
Procedido o juízo positivo de admissibilidade pela Câmara dos Deputados, o processo de impeachment será instaurado e processado no Senado Federal, que motivado pelo juízo de conveniência e oportunidade procederá o julgamento por maioria de 2/3 (dois terços) dos Senadores, condenando ou absolvendo o Presidente da República pela prática do crime de responsabilidade que lhe fora imputado.
Uma vez instaurado o processo no Senado, o Presidente da República será imediatamente afastado de suas atividades pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, voltando a exercer suas regulares atribuições caso o trâmite se estenda por um prazo superior ao regularmente previsto.
Sobrevindo a condenação por crime de responsabilidade, a pena imposta ao presidente será a perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer função pública por 8 (oito) anos, nos termos do art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal. Nessa hipótese, o poder será assumido pelo vice-presidente da República e, em caso de impedimento, pelo presidente da Câmara dos Deputados ou, sucessivamente, pelo presidente do Senado Federal.
Importa consignar que por se tratar de um julgamento de natureza eminentemente política, a decisão do Senado não poderá ser revista pelo Poder Judiciário.
Em que pese a incontestável necessidade de se investigar e apenar os atos presidenciais atentatórios à Constituição Federal, não se pode perder de vista que um processo de impeachment deve sempre ser submetido às lentes da prudência, haja vista que pode levar a consequências funestas caso seja utilizado como um instrumento político para desconstituir candidaturas eleitas em processo democrático, convolando-se em uma astuta e dissimulada afronta à verdadeira democracia.
(1) Disponível em: <http://www.gandramartins.adv.br/project/ives-gandra/public/uploads/2015/02/03/3d9730bfolha_de_s_paulo_impeachment_030215.pdf>. Acesso em 07.02.2015, às 16h50min.
(2) Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-04/nao-elemento-juridico-impeachment-dilma-dizem-advogados>. Acesso em 07.02.2015, às 17h18min.
(3) Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/169338/Dallari-faz-picadinho-do-parecer-de-Gandra-e-FHC.htm>. Acesso em 07.02.2015, às 17h32min.
Renan Muriel Agrião é advogadono escritório Rodrigues de Camargo Sociedade de Advogados. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Araraquara – UNIARA.