Depois de Oruro foi que a coisa começou a apertar e a viagem teve aqueles momentos que já descrevi. Mas depois de um banho e uma noite bem dormida o sofrimento passou, como tudo na vida. Duas noites em Oruro, desfrutando simplesmente de única posição, a horizontal. O dia de partir foi um dia de despedida, o dia em que voltei a viajar sozinho. Quase um mês na companhia da Fer, cozinhando, agradecendo por todas as refeições, rezando em união, aprendendo a meditar, buscando tirar sorrisos das pessoas que cruzaram nosso caminho e compartilhando sentimentos inesquecíveis. Nos despedimos entre lágrimas e seguimos, cada um pro seu rumo, eu pro norte e ela pro sul, distantes fisicamente, porém, conectados pra sempre, afinal, as coisas que aprendi com ela valem pra toda a minha vida. A força que ganhei, a liberdade e a intuição que aprendi a sentir, são coisas que ninguém vai me tirar, e se por acaso um dia eu perder tudo isso, não vou reclamar, vou agradecer, pois é assim que tem que ser.
Segui sentido Caracollos, outra vila bem pequena a 40km de distância. Mais um dia de pedal sentimental, em uma louca mistura de sentimentos, lágrimas, risadas, gritos e cantorias. Fiquei pensando nas minhas avós que estão perto de mim e na minha família que está longe. Mais uma vez fiz uma retrospectiva de tudo o que já vivi nesses 8 meses, algo que parece uma mentira. Uma coisa que sempre penso, é na capacidade que a distância tem de nos aproximar. Nunca me senti tão próximo de minha família e de meus amigos como agora, é incrível, principalmente pelo fato de que é verdadeiro. Quando estamos perto, parece que não damos tanto valor, e hoje, o valor que dou a toda essa união é tão grande, mas tão grande…
Cheguei em Caracollo e a choradeira continuou. Antes mesmo de tomar banho eu deitei na cama, e não consegui segurar, esse dia estava complicado, sentimentos a flor da pele, do jeito que eu gosto. Tomei um banho e sai atrás de algo para cozinhar. Enquanto cozinhava, a Dilma, a cholinha dona do quarto que aluguei, ficou ao meu lado, impressionada com a comida que eu estava preparando. Uma mistura de brócolis, com ovo, creme de leite e arroz, a famosa comida do viajante, prática, rápida e perfeita para guardar pro dia seguinte. Uma pasta grossa e consistente, que utiliza todos os milimétricos espaços internos do “top-where?” e nos permite economizar espaço. Assim que a comida ficou pronta, sentei na mesa, preparei o prato e quase que não consegui agradecer por ele, de tantos soluços. Sorte que a Dilma já tinha ido dormir, se não ficaria espantada com um marmanjo chorando e soluçando só por que tem em sua frente um prato de comida.
No dia seguinte acordei as 6h, pronto para pedalar 108km. Mais uma vez fui enganado pelo mapa e cai numa ilusão. O destino seria Ayo-Ayo, que estava, supostamente, a 108km de Caracollos. Depois de 120km eu cheguei, cansado, mas com a cabeça tranquila. Seria bom se o dia tivesse terminado por ali, mas não. Quando cheguei me disseram que ali não teria onde dormir, e que o próximo povoado, Villa Loza, estava a 15 minutos de lá. Eu até poderia tentar acampar em algum lugar, na praça, na estação de trem, qualquer coisa, mas preferi seguir para dormir em uma cama quente. É claro que Villa Loza não estava a 15 minutos dali, isso não existe, e muito menos a 5km como me disseram. Pedalei mais 10km, que pareceram uma eternidade. Mais uma vez cai numa furada, demorei quase 2 horas pra percorrer esses pequeno trecho, fiquei vendo o povoado de longe, mas ele simplesmente não chegava. Como se não bastasse, ganhei de presente um arame que furou o meu pneu. Preferi encher e seguir sem remendar, estava muito perto, e ao mesmo tempo muito longe. Esvaziou de novo e eu enchi de novo. Escureceu e a cidade não chegava, mais uma vez eu me senti fraco. Percebi a fraqueza quando não tive forças pra travar a bomba no bico do pneu, imagine para remenda-lo, no escuro. Minhas mãos estavam formigando muito, na verdade elas davam choque por dentro quando eu fazia força ou apoiava no guidão, algo muito estranho. Eu havia prometido, a mim mesmo, que não faria mais viagens tão longas, que fossem me desgastar tanto, mas foi inevitável. O mapa que comprei estava todo errado…