Depois de San Pedro a coisa começou a ficar mais pesada. Nesse dia eu cheguei ao ponto mais alto da viagem até então, 4000 m.s.n.m, e dai pra frente é que as condições da viagem apertaram. Estradas de terra em condições terríveis, cheias de “costela de vaca”, areia, pedra, subidas, vento, frio, poeira. Tudo isso em meio a uma região desértica, onde não existe nada no caminho, apenas paisagens espetaculares. O movimento de automóveis é reduzido, as condições das vilas que existem no caminho são precárias, pouca água, pouca gente, pouco ar pra respirar e muita, mas muita calma. Esse trecho foi o meu batismo, o “vai-ou-racha” da viagem. Posso estar enganado, mas acho que não vou encontrar condições piores que essa.
Seguimos viagem até Ascotán, que está a 3600 m.s.n.m. Saí as 9 da manhã e a Fer, mais uma vez, ficou na estrada esperando uma carona. Duas horas depois, eu havia pedalado só 20km, quando parou uma caminhonete me oferecendo água e dizendo que ela ainda estava lá sentada. Nesse dia ela deveria ir até Calama para sacar dinheiro, e depois voltar todo o caminho novamente, uma tremenda operação de caronas, encontros e desencontros, até que as 19h nos encontramos em Ascotán, que não é nem uma vila nem uma cidade, é um acampamento dos obreiros que trabalham nas minas região, e foi lá que dormimos.
Acordamos e seguimos rumo à fronteira. Foram 70km de paisagens maravilhosas, animais altiplânicos, lagunas congeladas, montanhas nevadas e coloridas, um espetáculo preparado com carinho. No começo da viagem, não conseguia pedalar. A cada 10 minutos eu parava, deixava a Princesa deitada no chão e saia correndo atrás dos bichos, que por sua vez, saiam correndo de mim. Com os pés inteiros enfiados numa lama branca, eu ia bem devagar, sem fazer barulho, pra não assustar os bichinhos que estavam ali numa boa. Não queria invadir a privacidade deles naquela manhã tão linda, mas eu precisava fotografá-los.
Muitos me perguntam qual foi a preparação que fiz antes de viajar, e eu respondo que a preparação não foi física, mas sim, espiritual. Durante uma fase da minha vida, vivi coisas não muito boas, sentimentos que não pertenciam a mim e que me molestavam quase que diariamente. Pensamentos idiotas, falta de confiança própria, desânimo, timidez, coisas que nunca havia sentido. Até que um dia surgiu a oportunidade de realizar essa viagem, fiquei super feliz, mas ainda me restavam alguns pensamentos besta. Até que um dia desabafei tudo isso com minha prima, a Carla, que me perguntou: Por que você não faz um tratamento espiritual? Foram 11 semanas de tratamento que me devolveram o Beto que sempre fui, como se aqueles sentimentos idiotas tivessem sido arrancados com uma pinça, e eu jamais conseguiria realizar tudo isso, se não tivesse me preparado dessa forma. É por essas e outras, que acredito tanto em Deus, afinal, nada disso aconteceu à toa.
Um beijo gigantesco a todos, estejam sempre com o querido Paizão!!!