Comecei a construir uma casa em outubro do ano passado, com a vã ilusão de que ela estaria pronta entre janeiro e fevereiro, mas, entra mês e sai mês e nada da obra chegar ao fim. Fazendo coro com muitas pessoas que já passaram por essa nefasta experiência, posso afirmar que não há nada mais estressante do que uma construção, um verdadeiro escoadouro de tempo, de dinheiro e, principalmente, da nossa paciência.
Estou praticamente morando no canteiro de obra e posso garantir que em meus cinquenta e poucos anos de vida nunca vi tanto pó, tanto entulho, tanto barulho e tanta enrolação. Lidar com material de construção, cronogramas que não se cumprem, encanadores, eletricistas, pedreiros é algo literalmente enlouquecedor e, se alguém não perde a sanidade mental construindo ou reformando uma casa, pode estar certo de que não a perderá jamais.
Por outro lado, administrar uma obra, conviver tão de perto com essa situação é uma excelente oportunidade para se observar algumas nuances do comportamento humano e uma das que têm se destacado para mim é a dificuldade que as pessoas têm de assumir a responsabilidade sobre os seus atos e a facilidade com que culpam o outro pelas suas falhas. Essa é uma questão que, obviamente, pode ser observada em diversas circunstâncias, na sociedade, no trabalho, na família, com os amigos, na criação dos filhos, pois até nas crianças essa horrível tendência é observável: se não deu certo, se deu caca, a culpa é sempre do outro. Isso se dá no particular e no geral, por que, se não temos ninguém próximo para culpar pelos nossos fracassos e mazelas, logo estaremos culpando, o povo, o governo, os políticos, os líderes religiosos, enfim, o outro.
No começo o pedreiro contratado para fazer a fundação culpava o engenheiro por algumas coisas que não saíam como planejado e o engenheiro, por sua vez, jogava a batata quente de volta para o colo do pedreiro. Veio outra equipe e o responsável culpava o pedreiro anterior por tudo o que dava errado. Essa situação chegou a tal extremo que esse profissional precisou ser dispensado e, claro, passou a ser o bode expiatório do seu sucessor: tudo o que dá problema é culpa dele. Agora, já na fase de acabamento, o eletricista culpa o pedreiro pelo atraso na execução de suas tarefas e o pedreiro acusa o eletricista de tomar seu tempo e atrasar o seu lado. A demora na execução das tarefas do pedreiro é porque o eletricista pediu para ele instalar conduítes e caixinhas e se o eletricista demora é porque o pedreiro não instalou as caixinhas e os conduítes direito. Se a parede demora a ser rebocada é porque o servente não fez a massa e se o servente não fez a massa é porque o pedreiro não pediu a quantidade certa e, claro, em algum momento a obra para porque o material necessário não foi pedido a tempo e aí a culpa é minha que não pedi ou do depósito que demorou a entregar, nunca do pedreiro que deixa acabar a areia ou o cimento para depois avisar que acabou.
E assim é na vida. Todos os presos são inocentes, o culpado pelos crimes é sempre o outro, às vezes a própria vítima, ainda que esteja sob sete palmos de terra por ter sido assassinada. Todos os descasados são corretos, a culpa do fim do casamento é sempre do outro cônjuge. Se os alunos não vão bem, a culpa é do professor que não sabe ensinar e se o professor não consegue ensinar a culpa é dos alunos que não prestam atenção ou do material didático mal elaborado ou do diretor da escola, ou do governo. Até mesmo os governantes e os políticos envolvidos em escândalos de corrupção também são inocentes, a culpa, claro, é do Sérgio Moro!!!.
Por que será que é tão difícil assumirmos a responsabilidade por nossos atos e tentarmos corrigir as falhas oriundas de nossos erros, distrações, falta de atenção e de comprometimento? Talvez um “mea culpa” sincero e equilibrado resolveria metade dos nossos problemas, se não todos, pois é somente assumindo nossas falhas e os pontos cegos de nosso caráter que podemos buscar a solução para aquilo que precisa ser resolvido. No entanto, para quê ter esse trabalho e esse nível de conscientização se é tão mais prático e mais fácil simplesmente por a culpa no outro?