Estamos vivendo tormentos horríveis desde o momento em que o coronavírus começou a se disseminar por todo o planeta. É uma quantidade imensurável de pessoas contaminadas, um grande número diário de mortes, pessoas desempregadas, empresas fechando, gente passando fome devido aos desarranjos econômicos causados pela pandemia. Muitos esperam por uma vacina milagrosa que venha trazer a cura para essa terrível doença, várias tentativas estão sendo feitas neste sentido em diferentes lugares do mundo. A demanda, porém, continua bem maior que a oferta e a certeza sobre a eficácia da vacina não é tão grande quanto a nossa esperança.
Apesar das medidas de restrição que determinaram o fechamento das igrejas, os acontecimentos que tingiram de cinza chumbo o ano de 2020 e adentraram 2021 com toda a força levaram muitas pessoas a se reencontrarem com sua espiritualidade ou fortaleceram sua fé. Os que acreditavam, passaram a acreditar mais; os que rezavam, passaram a rezar mais; muitos dos que não criam, começaram a crer e grande parte dos que viviam comodamente em cima do muro, mornos e neutros, estão, aos poucos, optando pelo lado racional da fé, pois, sem fé, não há razão que subsista.
Uma coisa que se tornou bastante comum foram as correntes de oração, pessoas que rezam por suas famílias, por seus amigos, pelos membros da sua comunidade, outras que rezam por quem conhecem e por quem não conhecem, que oferecem ao mundo a dádiva de uma oração genérica, da qual podem se beneficiar doentes acamados, em coma nas UTIs, agonizando nas filas por um leito e mesmo aqueles aos quais o vírus tem vencido e que partem todos os dias em uma longa fila que deve estar abarrotando todas as entradas do Céu. Reza-se também para aqueles que ficam, pelas famílias enlutadas que, diferente da família real britânica, não dispõem de condições ou autorização para velarem dignamente os seus mortos e precisam se contentar com um abreviado cortejo fúnebre que deve ocorrer em menos de duas horas.
Reza-se pelos médicos, pelos enfermeiros, pelos motoristas de ambulância, pelos faxineiros de hospital, técnicos de laboratório, enfim, por todos aqueles que estão na linha de frente do enfrentamento dessa traiçoeira doença. E reza-se também pelos cientistas, para aqueles cérebros privilegiados que estão debruçados sobre a pesquisa, na busca frenética por uma vacina que possa deter o avanço deste vírus e fazer com que a humanidade reencontre um jeito simples e saudável de viver.
Quando falamos em oração, é comum que nos venha à mente pessoas religiosas, padres , freiras, pastores, monges, enfim, aqueles que nos representam diante do trono do Altíssimo, os escolhidos para terem como missão e ofício ajudar, amar, cuidar, apoiar, fortalecer e incentivar as pessoas em todas as suas necessidades materiais e espirituais. No entanto, a oração é um atributo livre que pode ser exercido por qualquer um de nós. Podemos rezar sozinhos e em conjunto, mas, todas as religiões nos incentivam a rezarmos juntos. E, neste momento em que as circunstâncias nos obrigam a estarmos separados, para rezarmos coletivamente precisamos fazê-lo pela força do pensamento que nos une de um rincão a outro do planeta, nos irmanando num único propósito e fortalecendo, como um feixe de varas, as nossas solitárias petições.
Quando uma família tem um dos seus membros adoecido, é muito fortalecedor saber que há pessoas, conhecidas e desconhecidas, rezando pela cura dele. Podemos rezar pelos mendigos, pelo sem-teto, pelos órfãos da Etiópia, pelas vítimas das guerras e dos atentados, pelos que são perseguidos, mas, podemos rezar também pelo seu Zé da quitanda, pelo seu Antônio do Correio, pela Maria da Caixa Federal, e podemos rezar por pessoas famosas, conhecidas, por artistas. Isso foi feito por muita gente no caso do ator e comediante Paulo Gustavo, internado por mais de um mês e que, infelizmente, esta semana nos deixou.
É difícil pensar em Paulo Gustavo sem lembrar da Dona Hermínia, a famosa mãe que é uma peça e que já fez tanta gente rir e esquecer as atrocidades da vida, por algumas horas ao menos. Porém, o Paulo Gustavo não era a Dona Hermínia, ele era um ser humano comum, frágil e suscetível a problemas, instabilidades, vírus e doenças, como todos nós.
Como muitos, eu rezei pelo Paulo e participei da esperança de que ele conseguisse vencer o vírus. Isto não aconteceu, mas, antes da sua partida, um acontecimento me entristeceu talvez mais até do que a sua morte. Há umas duas ou três semanas, foi noticiada uma das mais atrozes atitudes que um ser humano pode ter. Um pastor publicou em sua rede social um infeliz e cruel comentário sobre os pedidos de oração para o ator, com a ironia peculiar das pessoas que levam Deus na roupa que usam, na Bíblia que carregam debaixo do braço e na máscara de santo que vestem, mas tão longe do coração. Depois de ironizar o pedido de oração, ele teve a coragem de dizer que iria orar para que o Paulo Gustavo morresse e fosse levado pelo “dono dele”, numa clara e estúpida alusão ao demônio.
Eu Acredito na existência do demônio com a mesma intensidade com que acredito na existência de Deus, mas, sinceramente, acho que até o demônio se envergonhou da atitude desumana, desrespeitosa e sem ética desse pobre homem que se intitula ministro de Deus. Contra o coronavírus, não demora surgirá uma vacina eficaz, porém, contra a maldade, o preconceito e a ignorância jamais haverá vacina capaz de curar esse terrível mal.
É muito triste ver alguém que prega a palavra de Deus, que se diz representante de Jesus, que conduz um rebanho e, como tal, pelo menos para o grupo que o segue, é um formador de opinião, usar da sua posição privilegiada, demonstrar que se acha um intocável, um dalit do cristianismo, e pregar exatamente o oposto do que Jesus Cristo ensinou. Mas, nem tudo está perdido, foi o próprio Jesus quem disse que no meio do trigo cresceria o joio e que só na hora da colheita final poderia haver a separação.
Hoje, enquanto sua família chora, o Paulo Gustavo, faz sua entrada no mundo maior, quiçá, vestido de Dona Hermínia e fazendo todo mundo rir. Mas, a corrente de oração precisa continuar, devemos agora rezar por esse pobre fariseu que se arvora em juiz do próximo, porque, gostando ou não, ele é nosso irmão também. Hoje, ele possui um corpo saudável que abriga a alma arrogante e gravemente enferma de quem se acredita um privilegiado, amigo íntimo de Deus. Sim, não estou de brincadeira, rezemos por esse senhor que presta tão grande desserviço a Deus e à causa cristã, contribuindo para que aumente no mundo o número de ateus, porque é só isso que esse tipo de gente consegue fazer com o seu fanatismo travestido de bem, enquanto a sua alma chafurda no mal.