Dias atrás, sonhei com o juízo final. Mas não tinha nada a ver com a minha partida desta vida terrena. Havia uma fila para conversar com Jesus, entretanto não dava para vê-lo enquanto não chegasse a minha vez. E quando chegou, num pequeno quarto, estava o homem: alto, magro e de cabelo curto. Ao lado, uma criança: o demônio. Supliquei ao bom homem para acabar com os problemas do mundo. Pedi que a paz entre os povos fosse seu objetivo principal para que as guerras fizessem parte apenas dos livros de história. O demônio, vestido de uma criança inocente, proferia-me, constantemente, palavras ofensivas. Não dialogava, apenas ofendia. E Jesus o ignorava e dizia para eu fazer o mesmo.
No decorrer da vida, enxergarmos a bondade onde predomina a maldade e vemos a maldade onde reina a bondade. O ver não é o mesmo que o enxergar. Há muitas pessoas vestidas da pureza de uma criança para atravancar os caminhos que desejamos percorrer. Nem tudo que se vê é real. É preciso ter um olhar crítico sobre aquilo que vemos com pureza. O puro pode ser doloroso; o doloroso pode ser o puro que negamos enxergar. Carregamos estereótipos porque o vemos e não o enxergamos. O ver é preconceituoso; o enxergar é crítico.
Eu vi um Jesus fraco fisicamente, mas um ser abastado de sabedoria. Eu poderia ter entrado naquela sala e ter negado as suas palavras. Eu não o fiz porque eu o enxerguei. O demônio, mesmo estando na pele de uma criança, apenas o vi. E foi por isso que consegui uma prosa. Talvez as ofensas se deram porque não me senti seduzido pelo olhar da “pseudoinocência”.
E aquela criança, no sonho, foi levada pela alegria de um grupo de músicos que passava pelas redondezas. Trancaram-na dentro de um chocalho para que não pudesse mais atormentar aqueles que buscam o diálogo pela paz. E pude, enfim, ouvir as palavras divinas do homem que respondeu a minha pergunta: Se todo indivíduo propagasse o amor e a paz que ele tanta procura, não precisaria de um jesus para salvá-los e nem de um demônio para atormentá-los.