Quando ele chegou, tímido e lindo, ainda era um bebê, dois meses apenas, mas já pesava 10 kg. Pensei muito antes de escolher o seu nome. A princípio, queria chamá-lo de Antonio, mas meu companheiro, à época, achava que era pecado por nome de gente num cachorro, ainda mais nome de santo…
O seu peso, o tamanho das suas patas e o seu mover desajeitado indicavam que ele cresceria bastante, então, entre várias opções, acabei escolhendo Godzila, o nome de um dinossauro de uma série de TV do fim da minha infância. No começo, soou meio estranho, mas logo o nome se adequou a ele como uma luva, sobretudo à medida em que ele crescia, se tornando logo um cão gigante, com o porte de dogue alemão do pai e o corpanzil de labrador da mãe. Assim, meu “labradogue” negro ficou Godzila, mas, secretamente, contrariando a opinião recebida, Godzila Antonio, o meu amor, meu segurança, meu guardião, também chamado carinhosamente de Dudu e Gudão. Creio que Santo Antonio não tenha se sentido ofendido.
Muitas vezes, quando morava na chácara, em Atibaia, saí deixando portas e janelas abertas, sem preocupação alguma, pois bastava um latido dele – que era mais um rugido que um latido – para afastar qualquer possível invasor. Quando me separei, ele passou a dormir aos pés da minha cama, com sua lealdade, sua ternura e seu ronco alto. E eu nada temia, nem deste e nem do outro mundo, apesar de estar sozinha no meio do nada, pois, tinha certeza que nem ladrão e nem alma penada teriam coragem de encarar meu guardião.
Os anos se passaram e uma bonita “barba” branca se anunciou em meio à sua pelagem preta e reluzente. Deixei a chácara, mudei para Mogi Guaçu e ele continuou sendo guardião e companheiro, além de alfa da matilha de dez cachorros; um alfa que tinha de ficar numa parte isolada do quintal, junto com as suas inseparáveis fêmeas: Flor, Maria Amélia e Maria das Dores, esta, sua preferida, porque os encontros com os outros machos não resultavam muito positivos, um dos últimos terminou em 33 pontos no pescoço do Chumbinho, que ficou com a traqueia e a jugular à mostra. Ele era feroz com os outros machos, porém um bebezão com a gente, de uma ternura e um carinho comovedores. Ele sempre chamou a atenção de quem nos visitava pelo seu porte (pesava mais de 50 Kg), pela sua beleza e pela sua mansidão.
Na manhã de quarta-feira da semana passada não fui acordada por seus latidos de trovão e nem pude acordá-lo com a minha voz porque ele tinha dormido para sempre. Entrar na casinha (que na verdade é uma casona) e encontrar meu companheirão frio e já um tanto enrijecido, foi um dos episódios mais tristes da minha vida e não sei quando essa imagem sairá de minha lembrança, se é que sairá. Ele foi a nossa terceira perda este ano, em fevereiro foi a Flor e, no mês passado, a Brigite. Dores ainda muito vivas, pois apesar de elas já estarem idosas, a gente sempre acha que eles viverão um pouco mais. As duas morreram nos meus braços, mas, ele não. Ele morreu no silêncio da madrugada, deve ter-se encantado com o brilho da estrela d’alva e foi vê-la mais de perto.
O Papa Francisco disse que os cachorros vão para o Céu e, ainda que isto seja apenas uma figura de linguagem para expressar a importância dos cachorros na vida das pessoas, é uma hipótese que eu tomo com a máxima seriedade. Há um Céu e eu espero um dia poder chegar lá e então, antes mesmo de encontrar meus familiares e amigos, serei recepcionada pelos meus cachorros, que terão à frente o meu Godzila lindo, e receberei muitas lambidas, enquanto pularei com eles sobre nuvens de algodão.
Ver a fragilidade deste gigante, tão alegre e aparentemente tão saudável num dia e, no outro, colhido pela morte, me fez parar para pensar na nossa própria fragilidade. Quantos de nós não se tornam gigantes de arrogância, orgulho, prepotência e pseudopoder? Mas todos, sem exceção, seremos beijados pelos frios lábios da morte quando menos esperarmos por isso. Que, ao menos, tenhamos cachorros, pois, quem nunca teve um cachorro, infelizmente, ainda não conheceu o amor. “Vai em paz, Gudão, o tempo passa depressa, a mamãe não demora a chegar”.