Quando os pais descobrem que o filho está usando drogas, é comum perguntarem como foi que isto aconteceu. Desesperados, refazem os passos da criança, depois do adolescente, muitos deles calmos, ponderados, sem apresentar quaisquer sinais de que enveredariam por esse caminho. Precisamos considerar que, antes de ser um crime, o tráfico de drogas é um comércio e, como tal, precisa oferecer atrativos para angariar “fregueses”. Nenhum jovem começa a usar drogas indo buscá-la direto nos pontos de venda, como uma dona de casa que vai ao supermercado quando precisa abastecer a despensa e a geladeira. Ninguém acorda e toma a decisão de começar a usar drogas naquele dia e sai à procura de quem possa fornecê-las. Esse percurso é gradativo e o caminho até a arriscada atitude de ir abastecer o vício diretamente nas biqueiras é longo e começa com passos muito suaves e aparentemente inofensivos.
Pode haver pessoas que simplesmente queiram experimentar a droga e entrem nessa estrada por si mesmas, mas, o mais usual é que a droga lhes seja oferecida. Numa primeira vez, a pessoa pode recusar, na segunda também, na terceira… até que um dia acaba cedendo e o que acontece a partir daí é de conhecimento de todos. Geralmente, a droga é oferecida por um amigo ou um conhecido. Há elementos que se infiltram nos grupos e, como caçadores, frequentam os locais onde haja presas em potencial, vão cercando, até que o vínculo se estabeleça e o comércio tenha início, envolvendo jovens, adolescentes e crianças.
É um mundo nefasto, terrível, mas, cuja eficácia não pode deixar de ser reconhecida. O submundo do crime organizado possui uma estrutura de tirar o chapéu, com uma hierarquia que é totalmente respeitada, com cargos e funções precisos, onde cada membro sabe o seu lugar e o seu papel e com um regime severo de julgamento e punição. Dependendo da função dentro da hierarquia, em caso de deslizes, cabe um julgamento antes da execução sumária da sentença. Ao peixe miúdo, não se perde tempo com julgamento, saiu da linha é eliminado. De bônus, ainda há um departamento de assistência social que parece funcionar melhor que a assistência oferecida pelo governo. É o inferno na Terra, um escuro labirinto no qual quem entra dificilmente consegue sair, mas, não podemos deixar de admitir que é um inferno organizado e funcional, que movimenta quantidades astronômicas de dinheiro e está por trás de basicamente tudo. Do primeiro baseado até a morte por overdose ou execução por falta de pagamento, há uma rede de detalhes que nós, que estamos de fora, nem imaginamos.
Baseada na trajetória da droga, desde o momento da sedução até vício total, quero falar na droga da terceira idade. Uma droga que é oferecida nos mesmos moldes da maconha, da cocaína, do crack, do ecstasy. Todos sabemos que a mais eficiente estratégia do marketing de vendas é criar necessidade. Primeiro a sedução: cria-se a necessidade e oferece-se o produto do qual você não precisa e que, a partir do momento que você começar a usar, vai te viciar, vai te enredar numa malha estreita e vai te projetar num beco sem saída. O comércio de drogas, como qualquer comércio, disputa seus clientes, briga por eles. No caso das facções criminosas, essa briga tem como adereços fuzis e metralhadoras, mas na droga que é oferecida para os aposentados, a disputa também é bem acirrada, embora não se utilize armamento pesado, mas apenas o telefone. Calma, não se desesperem imaginando velhinhos acendendo um baseado ou cheirando uma carreirinha de cocaína. Falo de uma droga mais sutil, aparentemente lícita, mas, tão perigosa, nociva e envolvente como as drogas químicas. O nome dessa droga é empréstimo consignado.
Trabalhei 17 anos no setor bancário e cansei de atender velhinhos desesperados, indo receber pagamento e não tendo nada para sacar, porque o valor foi comido pelas prestações dos empréstimos ou, nos casos dos que recebem o benefício em conta corrente, pelos juros da utilização do limite do cheque especial que eles nem sabiam que tinham e usaram achando que era dinheiro deles, vindo do INSS. Hoje, após comprometer 30% da renda não é possível fazer outro empréstimo e é o próprio INSS que aprova as consignações solicitadas nos bancos ou nas financeiras. Mas, houve uma época em que um aposentado conseguia fazer vários empréstimos ao mesmo tempo, consumindo quase todo o seu benefício. No caso do cheque especial, em poucos meses vira uma bola de neve com a cobrança de juros sobre juros, além de taxas de estouro de limite e chega um momento em que o idoso não consegue mais sacar o pagamento. Dá dó de ver a situação que alguns chegam ao banco. Várias vezes ofereci lenço para enxugar lágrimas, ouvindo depois, do gerente geral, que, se me melindrava tanto com essa situação, estava no emprego errado.
Mas, mesmo no caso dos aposentados que não recebem o benefício em conta corrente e não passarão por esse nível de problema, do consignado dificilmente conseguirão fugir. A sedução é grande e, não raro, aparecem parentes oportunistas que convencem os seus velhinhos (pais, mães, avós, tios, madrinhas) a fazerem empréstimos para dar o dinheiro a eles, sumindo em seguida e deixando os idosos com a dívida.
E tem os casos mais extremos divulgados pela mídia de financeiras que engambelam os aposentados dizendo que foi liberado para eles um cartão que permite comprar remédios com descontos, eles concordam e recebem um cartão de crédito ou valores que aparecem em suas contas e, mesmo que eles não utilizem, as parcelas passam a ser descontadas de seu benefício, pois são empréstimos consignados feitos sem a sua anuência e os quais eles não conseguem que seja estornado. Para mim esse nefasto comércio, com suas práticas abusivas, deveria passar a figurar como crime no nosso código penal. Mas, é uma fatia muito gorda do mercado, muito rendosa e uma prática muito fácil, na língua dos mano “babinha”, “mamão com mel”, e a tendência é que continue assim, creio que patriotismo nenhum conseguirá ter poder contra isso.
Confesso que, embora brasileira de coração verde-amarelo, cheia de fé e esperança, às vezes desanimo com este nosso país, pois os dados que alimentam a máquina da indústria do consignado são fornecidos para essa máfia pelo próprio INSS, embora o instituto negue, mas, contra fatos, não há argumentos e eu mesma sou prova disso: minha aposentadoria saiu no dia 1º de novembro, ainda nem recebi o primeiro benefício e preciso deixar meu telefone e meu celular desligados se quiser ter paz, porque, de manhã até umas nove da noite, os dois tocam o tempo todo, fora as mensagens de texto, com traficantes, digo, agentes de telemarketing, oferecendo empréstimo consignado; claro, todos de posse dos meus dados pessoais e valor do benefício. Eu não passei esses dados para ninguém e nem tão menos dei qualquer autorização para a Previdência fazê-lo. Logo, é o INSS que procede ilicitamente, com a quebra de sigilo dos dados de seus beneficiários, jogando-os na boca dos lobos, sujeitando-os a essa importunação e a esse risco. E tem aposentado que tem medo das “saidinhas de banco”! Ingênuos. Medo de amadores perto desse crime nacional organizado e voraz.