“Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz.” (O que é, o que é? – Gonzaguinha)
No fim do ano passado eu e meu marido nos propusemos um novo desafio e nos aventuramos a prestar vestibular. Sentimos dificuldade pelo longo tempo sem contato com as disciplinas do ensino médio, mas, entre tentativas e acertos, permeados por alguns bons chutes, passamos e esta semana mergulhamos numa fascinante jornada que deve se estender pelos próximos cinco anos.
Ambos já tínhamos outra formação, ele em Administração de Empresas e eu em Letras, mas, mesmo assim, não deixa de dar um friozinho na barriga ir para o primeiro dia de aula achando que vamos ser os tiozinhos da sala. De mãos dadas, lá fomos nós, com a cara, a coragem e o amor que nos une. Para nossa surpresa, não somos os únicos tiozinhos e tem até alguns avozinhos, um de 62 e um de 69 anos. Achamos isso fascinante. E essa realidade tem sido crescente. Um número cada vez maior de pessoas de meia-idade e de idade e meia tem se lançando no caminho do conhecimento. Alguns por não terem tido tempo, condições ou oportunidade de estudar quando jovens. Outros, como uma colega de classe, pela síndrome do ninho vazio, depois de ter dedicado mais de duas décadas ao ofício de mãe e vendo agora os seus pássaros alçarem voo. E há também aqueles que, como nós, já têm uma formação, mas, querem sempre mais da vida e por isso ousam acreditar que é possível e, para isso, dão o seu melhor.
Vez ou outra os noticiários mostram pessoas de mais de 80 anos colando grau, felizes da vida. Claro, sempre tem os céticos, os chatos, os frustrados que acham isso uma bobagem, uma perda de tempo, afinal, “onde já se viu velho fazendo faculdade! Pra quê? Já tá no fim da vida! O que talvez esses críticos não saibam é que a vida não tem fim e que todo o tempo é tempo de ser feliz, de dar e receber amor e de experimentar coisas novas. Quem vislumbra um novo horizonte tem o dom de tornar-se imortal, sobretudo pelas marcas que deixa na vida e nas pessoas com quem convive e que toca com seus exemplos.
Dia desses circulou pelas mídias sociais um trecho de uma fala do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em que ele diz que as pessoas podem trabalhar até os 70, 80 anos. Como só foi divulgado esse trecho, não dá para emitir um juízo de valor sem conhecer o contexto em que a fala se insere, mas, sem querer tomar a defesa do deputado e nem entrar no mérito da questão da reforma da previdência e o aumento de idade proposto para as novas aposentadorias, com um possível fim da aposentadoria por tempo de serviço, eu acredito, sim, que as pessoas devem trabalhar até os 70, 80, 90, 100 anos. Trabalhar enquanto a sua capacidade física e mental permitir. Um exemplo fantástico disso foi a atriz Bibi Ferreira, morta na semana passada, aos 96 anos e que trabalhou até os 95.
Quando falo de trabalho, não me refiro apenas à atividade remunerada que garante a subsistência e, claro, é triste uma pessoa idosa que tenha de trabalhar para conseguir o próprio sustento por condições de pobreza e desigualdade social. Quando falo em trabalho, me refiro à atividade da alma, que pode, sim, se traduzir em atividades físicas, mas também intelectuais, artísticas, emocionais. A arte de amar pode ser considerada um trabalho e, muitas pessoas abandonam esse doce, prazeroso e árduo ofício quando seu corpo começa a definhar, como se amássemos apenas com a nossa parte física.
Pessoas mais velhas que se dedicam, por exemplo, a atividades filantrópicas, que se exercitam regularmente, que convivem bem com a família, que mantém um grupo de amigos, que visitam pessoas necessitadas de ajuda, de conforto, de carinho, que têm algum hobby, como artesanato, jardinagem, cuidados e convivência com animais, dança e tantos outros, vivem mais e vivem melhor. Porque se sentem úteis, porque se sentem felizes.
Nesta primeira semana de aula, tivemos vários momentos de conversa e de apresentação. Nosso curso é Psicologia e, perguntados sobre os motivos que nos levaram a escolher esse curso, e pude observar que, entre os mais jovens, alguns com menos de 20 anos, era normal a resposta: “porque gosto de ajudar os outros, tenho vontade de ajudar as pessoas”. Um objetivo bastante nobre, embora vago e genérico. Já entre os “tiozinhos e tiazinhas”, as motivações eram mais variadas e os objetivos muito mais claros.
É óbvio que um garoto de 17 anos tem toda uma vida pela frente, tem tempo para amadurecer e aperfeiçoar as suas escolhas e pode até desistir delas, mudar de curso, sem que isso acarrete muitos prejuízos. Já nós, os de meia-idade e os de idade e meia, não temos tanto tempo assim e isso nos leva a sermos mais focados. Pensem bem, não é fácil passar cinco anos, noite após noite, sentados numa desconfortável carteira escolar (este é um item do ensino que parece não evoluir com o tempo, as carteiras são sempre péssimas!) e nós já armazenamos os nossos bicos de papagaio e desentendimentos com o ciático, o que dificulta ainda mais essa interação corpo/carteira. Portanto, a decisão tem de ser bem acertada e o lugar onde pretendemos chegar tem de ser bem definido. Só o que não podemos é parar, desanimar, desistir, porque a vida é bonita, é bonita e é bonita, por isso, o negócio é viver e não ter a vergonha de ser feliz.