E pra me despedir de Honduras, e dar boas vindas a El Salvador, pedalei sem pressa, durante o dia todo, parando de casa em casa para conversar e conhecer melhor aquele povo tão bonito. E a cada parada, meu alforje se enchia de comidas, bebidas e frutas que fui ganhando pelo caminho, e meu coração, em mesma proporção se enchia de amor. Cheguei no fim da tarde, procurei um hotel e dormi bem, justo na fronteira. No dia seguinte carimbei o passaporte bem cedo e me meti país adentro.
Era sábado de sol, todos que estavam às margens da estrada esbanjavam bom humor, e eu fui me contaminando. Segui no mesmo esquema, parando pra tomar uma água de coco aqui, pra conversar ali, enfim, qualquer coisa que pudesse tornar a viagem mais tranquila e rica culturalmente. Segui até uma praia chamada Las Tunas, onde cheguei e parei em frente a um restaurante pé na areia. Fiquei ali até que qualquer coisa acontecesse, e não demorou quase nada. Logo apareceu o Fabio, o dono do lugar, que me disse que eu poderia dormir no restaurante. Uma grande cabana de frente pro mar, com brisa fresca e um monte de redes a disposição, que me serviram de berço durante a noite. Tudo no jeito, mais uma vez.
No dia seguinte segui, e dessa vez, rumo a outra casa de família linda, a do José. Esse contato foi feito graças a Stefanie, uma amiga canadense queconheci no Peru, há quase um ano, pedalando sozinha, em uma longa viagem, do Canadá até Ushuaia, o fim do mundo. Um dia antes de sair de Las Tunas, ela entrou em contato comigo pela internet e me contou que ali pertinho vivia uma família que iria me receber. Conversei com o José e fui. Pedalei só 20km, cheguei e fui recebido com um pratão de arroz, feijão e ovo, como eu gosto. A recepção foi sem cerimônia, já que a família recebe ciclistas há dois anos, quase todos os meses, ou seja, não tem frescura… “Sinta-se em sua casa”.
O José é um salvadorenho que viveu toda a vida no Canadá, mas quando se cansou do frio e do estilo de vida, resolveu voltar para o país de origem, porém, de uma conversa de bar surgiu a ideia de voltar de bicicleta, e assim ele fez. Onze meses pedalando até voltar pra casa da sua mãe, que a tanto ele não via. E agora, apaixonado pelo cicloturismo, José recebe todas as pessoas que passam pedalando por lá, e não são poucos. Cheguei sem saber exatamente quantos dias iria ficar, mas depois de conhecer a pessoa maravilhosa que ele é, não pude ir embora tão cedo. Sem falar no resto da família, sua esposa Mary, seu filho Charles, sua encantadora filha Xochilth, de 3 anos, e seus sobrinhos Emerson, Keiri e Griseln.
Apareci no domingo de manhã, imaginando que iria ficar só uma noite, mas só consegui seguir viagem na quarta feira…”Só mais umdia. Ah, mais um vai. Tá, amanhã eu juro que eu vou.” Dias simples, de extrema tranquilidade, longe de internet e da cidade, simplesmente escutando as histórias do dono da casa, que conta tudo com um incrível amor e um bom humor. Sem falar na leveza do viver, na harmonia do dia a dia, que com total calma e paciência, tranquiliza o choro dos filhos.
Esses dias com eles me fizeram repensar o valor do esforço físico, me fez admirar e respeitar mais ainda a “mão de obra” bruta. O José está em processo de limpeza de um terreno, onde vai construir uma casa, e sem empregados ele faz tudo com ajuda da esposa, das crianças e de vez em quando de algum vizinho que está passando por ali e para pra somar esforços. E durante esses dias eu me juntei ao time. Escavando o barro com as m
ãos para retirar as pedras que estão soterradas, força na coluna para levar as pedras até a carriola, e logo, braço de ferro pra levar a carriola até o despejo. Sequência que será repetida quantas vezes forem necessárias. Em 20 minutos eu já estava encharcado, e depois de 2 horas já não tinha mais força pra nada, com barro no dente, suor até joelho e língua pendurada até o umbigo. Minha conclusão: “Pedalar é a coisa mais fácil do mundo”.
Falo direto de El Salvador e este foi mais um diário de bordo! Amo todos vocês. Um abraço bem apertado.
Beto.