Passando de fase

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Passar de fase é um grande passo no videogame, mas, passamos de fase também na vida. E, não sem pesar, recebi a notícia de que nosso querido Imparcial não terá mais a sua versão impressa. “Uma nova fase”, me disse a Mariana, mas, diferente do menino que vibra ao passar de fase no jogo, eu não vibrei.

É preciso compreender que o mundo mudou, que estamos na era do digital e que o jornal também deve se adequar a essa tendência. No entanto, não deixa de ser triste essa despedida de um formato que está aí há quase 60 anos.

Comecei a fazer parte do Imparcial em 1983, e isso foi uma das grandes conquistas da minha via, que nortearia meu futuro profissional e minhas principais escolhas. Uma delas, a de sair de Monte Alto para ir trabalhar no Estadão.

Ainda me lembro vivamente do dia que o Romeu, proprietário do jornal, foi à minha casa para se despedir, na véspera de minha partida, agradecendo pelos anos em que integrei o time do Imparcial e me desejando boa sorte.

Fiquei dois anos no Estadão, mas, não tinha o mesmo encanto que trabalhar no Imparcial, onde fazia as entrevistas, redigia as matérias, ajudava na diagramação e na revisão. Lá, na cidade grande, no jornal grande, tudo era muito frio e impessoal e isso me fez descobrir que o meu encanto era a literatura, não o jornalismo.

Trabalhei em empresas que não tinham absolutamente nada a ver com a escrita e fui construindo uma carreira paralela, dando forma aos meus textos.

Em 2012, quando meu filho foi ordenado sacerdote, escrevi um artigo sobre o evento para ser publicado no Imparcial e, a partir dele, não parei mais. Mesmo estando fora de Monte Alto, semana sim, semana não, estou aqui com vocês. Ora artigos que agradam, ora que desagradam, mas, fazendo parte deste sonho, porque manter um jornal, numa cidade pequena, nos dias atuais, não é apenas para jornalistas, mas, para sonhadores, para idealistas.

Ainda gosto do cheiro do jornal, assim como do livro impresso. É claro que me atualizei e uso muito a internet, sobretudo para pesquisas de trabalho, mas, ainda prefiro ler algo que consiga segurar nas mãos, virar a página.

Como já devo ter escrito aqui, na época em que trabalhava presencialmente no Imparcial, uma página para a impressão, cujas linhas eram feitas de chumbo, na linotipo, pesava cerca de 35 quilos.

Assim que o Zé Luís montava a página, os meninos a transportavam para uma mesa grande, passavam tinta sobre os tipos, colocavam uma folha em cima, davam uma umedecida nela e passavam um rolo parecido com um pau de macarrão por cima. Era o que se chamava prova.

Aí essa página ia para a frente e fazíamos a revisão, uma pessoa lendo o texto impresso, em voz alta, e outra acompanhando no texto original. Os erros eram marcados e a página voltava para dentro, para as correções e, só depois, começava a rodar.

Muitas vezes, distraídos, esquecíamos que era tinta fresca e encostávamos o braço, ficando com parte da página impressa nele. Eu era campeã nisso. Vivia com o braço sujo de notícias!

Normalmente, nossas edições eram de 12, 14 páginas, então, dá para imaginar o trabalhão que era. Dia de fechamento, era uma loucura! Às vezes surgia algum acontecimento importante na última hora. A gente fazia a cobertura e nem dava tempo de datilografar antes de mandar para a gráfica, ia manuscrito mesmo. Minha letra sempre foi terrível e o Toninho, linotipista, era uma das poucas pessoas capazes de entendê-la

Mais tarde, quando eu já não estava mais lá, o sistema mudou. O jornal foi vendido e redação e gráfica se separaram. O jornal começou a rodar em Off-7 e o trabalho da equipe ficou um pouco mais fácil.

E agora, nem uma coisa nem outra. Evoluímos e migramos para o digital. O Imparcial, sem dúvida, continuará com a mesma qualidade, podendo até publicar mais coisas, sem a limitação de tempo e espaço que havia no jornal impresso.

Mas, para mim, ainda está com um gosto de despedida, de ruptura. Imagino que a decisão não foi fácil para nenhum dos integrantes, porém, necessária. Outros tempos, outros rumos. Passamos de fase.

Certa vez, ouvi um historiador dizer que a humanidade nunca teve tanto conhecimento como em nossos dias, porém, nunca o conhecimento foi tão vulnerável. Ele justificou seu raciocínio evocando desde as inscrições rupestres nas cavernas, que nos permitiram ter uma ideia de como viviam nossos antepassados, a escrita cuneiforme, criada pelos sumérios, presente em documentos importantes como o Código de Hamurabi, até o alfabeto criado pelos fenícios e usados por nós até hoje.

O conhecimento antigo só se perpetuou porque ficou registrados em pedras, em pergaminhos e, mais tarde, no papel, já bem mais frágil. A cultura digital, reúne tudo que se queira saber e o Google é praticamente uma entidade com poderes quase divinos, à qual todos recorrem para pesquisar sobre qualquer assunto. Mas, todo esse conhecimento está “na nuvem”. E se um dia essa nuvem chover? Ou seja, se nossa civilização desaparecer por algum motivo, como serão acessados esses registros? Pode ser que tudo se perca pela sua imaterialidade.

Mas, são apenas conjecturas. O futuro não nos pertence. Sentirei falta de receber o jornal, quase sempre com muito atraso, porque o Correio está muito longe daquilo que foi um dia e o atraso na entrega das correspondências tornou-se praticamente um padrão. Mas, enfim, sentirei falta de receber o jornal, tirar do saquinho, recortar o meu artigo, colar numa folha de sulfite e guardar numa pasta. Tenho umas cinco pastas, pois faço isso desse o primeiro artigo que publiquei, lá em 1983.

É algo que faço com muito carinho. Faz parte de minhas memórias. É claro que posso passar a imprimir o artigo da internet e continuar pondo na pasta, mas, talvez esse cuidado todo, ao longo de tantos anos, tenha sido uma tarefa inútil, pois, após a minha partida, é provável que o destino dessas pastas, com tantos recortes amarelados, seja um saco de lixo e rua.

Enfim, passamos de fase. Um dia, chegaremos ao final do jogo.

Registrando

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