O corte no fornecimento de energia elétrica por “fraude” no medidor de consumo e o direiro do consumidor
Muitos consumidores têm sido surpreendidos com autuações das concessionárias de energia elétrica, as quais têm fundamento supostas fraudes praticadas nos medidores de energia, que, segundo alegam as concessionárias, acabam por diminuir o registro do efetivo consumo. Em outras palavras, por conta das irregularidades que apontam, o consumidor paga menos (porque o registro é menor) e utiliza mais dos serviços.
Nestas “inspeções” realizadas junto às residências e empresas, funcionários das concessionárias vêm constatando “adulterações” no medidor de energia elétrica ou em seu lacre de segurança, lavrando, por este motivo, o que se denomina Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI).
Com base neste documento, as concessionárias têm autuado os consumidores, mediante a elaboração de cálculos unilaterais, concedendo um prazo para pagamento, sob pena de corte no fornecimento de energia elétrica.
Todavia, em meu modo de ver, tal postura repetida aos milhares pelas concessionárias, não se reveste de legalidade, ferindo direitos fundamentais do cidadão e do consumidor em geral.
Em primeiro lugar, destaco que o corte no fornecimento de energia elétrica é, a meu ver, vedado pelo Código de Defesa do Consumidor, na medida em que os serviços “essenciais” devem ser fornecidos de forma contínua pelo Estado ou por suas concessionárias. As empresas de energia elétrica têm outros meios pelos quais pode exercer o direito ao crédito, sem que haja a necessidade de privar o cidadão da utilização de serviços de natureza imprescindível ao mínimo de dignidade a que todos têm direito, segundo assegura a Constituição Federal.
A despeito disso, o “débito” apurado pelas concessionárias de energia elétrica não pode ser cobrado sob a ameaça de corte no fornecimento dos serviços, pena de restar configurada verdadeira coação, especialmente quando o documento que embasa a cobrança é confeccionado unilateralmente, sem qualquer participação do consumidor e, ainda, sem que este possa se valer de todos os meios e recursos inerentes à sua defesa.
O documento de autuação é redigido pelos funcionários ou terceirizados das concessionárias, sem a necessária realização de perícia técnica por órgão competente e autorizado a tanto, ou a comprovação por intermédio de testemunhas. A chamada prova unilateral, sobre a qual o consumidor não participa, vem sendo repelida pelo Poder Judiciário como forma de legitimar a cobrança dos débitos pretendida pelas concessionárias.
Ou seja, a conduta da concessionária, além de não comprovar a irregularidade através de meio idôneo (ônus que lhe cabe pelo Código de Defesa do Consumidor), subtrai do consumidor qualquer chance de se opor aos números e valores que lhe são apresentados.
Por estes aspectos, a conduta adotada pelas concessionárias vem sendo repetidamente considerada como abusiva pelo Poder Judiciário, que reconhece a ilegalidade destes atos.
De todo o exposto, há de se afirmar que nas ocorrências como as citadas acima, via de regra, as mesmas estão fadadas de inúmeros vícios, quais sejam: i) não há prova das irregularidades no medidor de energia elétrica; ii) as autuações não são feitas por técnicos ou peritos, mas sim por pessoas sem a qualificação técnica adequada; iii) o consumidor não tem meio de participar na produção da prova da suposta adulteração do equipamento, vez que esta é imposta; e, iv) não se possibilita ao consumidor fazer prova em seu favor, já que o medidor de consumo original é retirado e substituído.
Não há, pois, em meu singelo entendimento, alternativa ao consumidor que não seja a de se opor, de forma veemente, a esta repetida conduta das concessionárias de energia elétrica, especialmente através do Poder Judiciário, que vem reconhecendo as mazelas que revestem o procedimento acima descrito, com o que vêm eximindo o consumidor do pagamento de qualquer valor a título de “multa por adulteração no medidor de energia elétrica”.
Raphael Rodrigues de Camargo – Sócio-fundador Rodrigues de Camargo Sociedade de Advogados, formado pela UNIARA. Pós Graduado em Direito Empresarial na Universidade COC Ribeirão Preto – FGV/LAW. Pós Graduado em Direito Processual civil na Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP.