Assim como ficou prometido na semana passada, esse diário será um retrato de como foram minhas noites no deserto. Terminei dizendo o quão sofrido foram os 122 kilometros (60 de terra e 62 de asfalto), sendo assim..
No segundo dia eu perdi hora. Era pra acordar as 5h mas meu corpo não conseguiu. As 7h eu consegui e as 8h20 estava na estrada, pronto para o dia que seria o mais cansativo. Foram 102km de muita, mas muita subida, daquelas que, pra mim, são as piores: Suaves e infinitas. Mantive uma velocidade média de 8km/hm. Em algumas partes eu ia tão devagar que preferi empurrar a Princesa, pela primeira vez em quase 7 meses. Sem dúvidas, o grande desafio foi esse dia, muita paciência e concentração, afinal, ou eu vou, ou eu vou. Pedalei até quase de noite, até o corpo pedir pra parar. Dormi feliz com o resultado do dia, achei que não fosse conseguir pedalar tanto. A noite, na barraca, o traseiro doía demais, então eu fiz que nem mamãe fazia comigo quando eu era neném: posição de trocar a fralda, lenço umedecido e hidratante nele, sem dó. Melhorou por 5 minutos, até que eu dormi. No dia seguinte, a dor duplicou.
Tirando a bunda assada, o terceiro dia foi lindo, 155km de muita descida, daquelas que, pra mim, são as melhores: Suaves e infinitas. Acordei as 5h da manhã e o deserto era só meu, inteirinho. Meus irmãos caminhoneiros ainda dormiam, ou seja, escuridão e silêncio total. O céu recheado de estrelas, com uma lua que parecia um holofote. Arrumei tudo e sai, ainda de noite, eu e Deus. Sai gritando e ouvindo o eco, lá longe. Só depois de 1h30 pedalando que o sol saiu, e com calma, foi descongelando a ponta dos meus 20 dedos.
Nesse dia eu parei de pedalar por que o vento pediu. Quando eu acho que já conheci um vento forte, o mundo vem e me apresenta outro, ridiculamente mais forte. E o mais legal é que eles sempre se apresentam de frente, “téte a téte”, batendo no peito e mostrando quem é que manda. Tudo bem, quem sou eu pra contrariá-lo, eu paro, se você quer, eu paro. Com as pernas quase anestesiadas, o cabelo marrom e a bunda “nem-se-fala”, fui tentar armar a barraca, mas quem disse que ele deixou? Qualquer descuido e tchau, lá se vai minha casinha pelos ares. Com muita pedra eu consegui deixa-la um pouco mais firme e pude preparar o meu banquete.
A última noite foi de festa, com direito a macarrão “a la areia” e chocolate. Parecia um retardado tirando foto, correndo, escrevendo com a lanterna na mão, mil vezes seguidas, até a foto ficar exatamente do jeito que eu queria. Tava feliz demais, mal podia acreditar que só me faltavam 55km, mal podia acreditar no que estava acontecendo. Foi como um batismo de viagem, afinal, se eu consegui passar por um trecho tão difícil, não sei o que pode me segurar nos próximos 2 anos. Deixei a música alta, fiquei olhando pro céu com a porta da barraca aberta, não conseguia pensar em nada que não fosse bom: família, amigos, feijoada, charuto de folha de uva, tudo o que me espera daqui 2 anos. Eu sempre penso nisso, em qualquer momento difícil eu penso no que me espera quando eu voltar pra casa, ai fica tudo bem.
Em meio aos pensamentos eu dormi sem perceber. Acordei, desliguei a música, fechei a porta da barraca e continuei sonhando. Acordei as 4h30 com um vento barulhento, que fazia a barraca dançar. Tentei dormir de novo, mas nessa altura, eu sentia o meu corpo tão sujo que não consegui mais pegar no sono. Estava parecendo um filé a milanesa (Ps: Assado). Imagine: Quatro dias transpirando, sem banho, o corpo tooodo melado, de repente, um vento feroz que enche a barraca de areia, pronto, empanei. Solução: Liguei o som no último e comecei a arrumar as coisas. Chega, é hora de tomar banho….
E assim foram minha noites no deserto do atacama!!! Espero que tenham curtido!! Na próxima semana lhes digo como foi meu reencontro com o banho e meu descanso pós desierto!!
Um beijo enorme para cada um de vocês..
Betão