As coisas boas continuam cruzando meu caminho, impressionante. Dessa vez conheci uma família através de um contato pela internet, fiquei hospedado na casa deles. Nessa casa aconteceu algo parecido com Los Vilos. Fiquei fora por 2 dias, e dessa vez, foi pra conhecer um lugar chamado “Valle del Elqui”, onde se encontram alguns observatórios espaciais, de tão limpo e maravilhoso que é o céu durante a noite. Pra ajudar, lua nova, ou seja, um banho de estrelas. Na noite antes de sair, estava arrumando minhas coisas com o Paulo e a Carolina (Caro) ao meu lado. Olhei pra ela, que está com a faculdade em greve, e disse: “Vamos comigo?”. Nem tive tempo de respirar: “Vamos”.
Mais 2 noites com a família e lá vou eu novamente pra estrada. Domingo cedinho, arrumei tudo e fomos todos juntos até a saída da cidade. Colocamos a Princesa no bagageiro do carro e descemos até a estrada. Isso é maravilhoso, pois eu posso ir pedalando, mas em um gesto de carinho, me levaram até lá, pra dar o “último” abraço. Segui pedalando até onde fosse possível. Muita subida e neblina, até chegar num micro povoado chamado El Trapiche, já rodeado pelos cactos do deserto. Cheguei e não encontrei nenhum anjo, então, armei a barraca do lado de fora do posto de saúde da vila, que tinha um banheirinho público (sem chuveiro). Sorte que eu tinha 2 abacates e 3 pães, pois era domingo e não tinha absolutamente nada aberto ali.
Bateu uma angústia, um nó na garganta, uma falta de ter gente ali do lado pra eu apertar a bochecha ou bagunçar o cabelo. Coisa mais normal do mundo pra quem quer ficar 2,5 anos viajando sozinho, então, como eu já esperava por isso, eu fiquei curtindo aquela angústia. Aproveitei a situação pra chorar e valorizar mais ainda a tudo o que tenho nesse mundo: Minha família, meus amigos, minha comida, as plantas, os animais, e é claro, você que está lendo esse texto.
Acordei as 6h30 e, ainda de noite, arrumei tudo. Amanheceu e eu peguei estrada, pra chegar na próxima cidade, Vallenar, onde estou agora, a 115km dali. Segui pela estrada que a cada quilômetro se torna mais deserta, seca e cheia de cactos, que ganha como cenário uma imensidão de cor “pastel”, um mar de areia que não tem fim, uma coisa preciosa. Deserto do Atacama é o nome dele, do lugar mais seco do planeta, onde vou passar uns dias refletindo, acampando, gritando e chorando. E não se preocupem que eu não vou me meter no meio do deserto sem saber pra onde estou indo. Vou estar na estrada, onde existe movimento, de pessoas que podem me dar água ou qualquer tipo de ajuda.
Na semana que vem eu vou passar por um trecho de 400km onde não existe nada, só a estrada. É o trecho que liga Chañaral a Antofagasta, e ali eu vou viver o que a tanto tempo eu espero, que é ficar acampado sozinho nessa imensidão. Se tudo ocorrer como planejado, serão 4 dias sem estrutura, só eu, a Princesa e a comida que vou levar. A água eu peço pros carros e caminhões, que sempre ajudam, não tem erro. Mas calma, deixo pra contar tudo depois.
Quero chegar logo na Bolívia, então os próximos dias serão de bastante pedal, logo, o próximo diário talvez venha recheado de grandes emoções.
Que o Paizão esteja sempre com a gente. E todos nós juntos, na garupa da Princesa, um empoleirado em cima do outro, com as pernas pro alto, cantando, gritando, uivando, tirando foto, abanando a mão pra todo mundo, dando bom dia pros velhinhos e chamando todo mundo pra subir junto, até cachorro, gato, galinha, bixo-de-pé, quem quiser… Beto
