Por G1
Conhecido mundialmente como um dos principais elementos responsáveis pelo sabor da cerveja, o amargor presente no lúpulo não é uma matéria-prima apreciada apenas pela indústria cervejeira, mas também um componente que pode ser forte aliado da medicina.
Um estudo desenvolvido pela pesquisadora búlgara Tsvetelina Mandova sob orientação do professor Fernando Batista da Costa, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, identificou substâncias antivirais no lúpulo, capazes de destruir vírus como chikungunya e oropouche.
Em fase de desenvolvimento, a pesquisa, que corrobora com a máxima de que a ciência ajuda a lapidar respostas que estão na natureza, é promissora frente ao combate a doenças que ainda não possuem medicamentos específicos.
Lúpulo: o que é
🌿O lúpulo é uma planta trepadeira que integra o grupo das angiospermas, ou seja, possui capacidade produtiva de flores e frutos. São, justamente, esses agrupamentos de flores que conferem à planta aroma, amargor e demais propriedades já conhecidas e utilizadas pela indústria cervejeira.
Assim como a Cannabis, o Humulus lupulus L, nome científico do lúpulo, faz parte das cerca de 170 espécies que formam a família Cannabaceae. Objetos de pesquisas dentro e fora do Brasil, essas plantas são reconhecidas pelas propriedades psicoativas e medicinais que possuem.
“Na terapêutica, além do efeito sedativo, o lúpulo é utilizado para o tratamento de distúrbios do sono, como a insônia temporária, ou também contra a ansiedade, como o estresse mental e distúrbios do humor. Além disto, devido ao efeito antimicrobiano, antioxidante, umectante e anti-inflamatório tópico de alguns constituintes da lupulina, extratos de flores de lúpulo são utilizados como ingrediente em preparações cosméticas para a pele, cabelo e pós-barba”, explica Costa.
No caso específico do lúpulo, clima temperado e solo rico em matéria orgânica compõem o cenário ideal para que surjam as inflorescências. (Veja detalhes sobre a produção da planta abaixo)
A planta originária do oeste da Ásia foi trazida ao Brasil pela família real, ainda no século XIX e, desde então, um mito de que ela só florescia em locais com baixas típicas do inverno europeu se fortaleceu em solo brasileiro.
A crença fez com que muitos produtores rurais se mantivessem afastados do lúpulo, tornando o país dependente da importação.
Mesmo não sendo um dos principais países produtores do lúpulo, o Brasil é o terceiro maior produtor de cervejas do mundo, de acordo com dados extraídos pelo Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).
O sucesso da cerveja no país impulsiona a importação da planta e movimenta a economia nacional, devido à variedade de produtos, industriais e artesanais, e ao alto consumo da bebida pelos brasileiros.
Descoberta em pesquisa
Iniciada em 2019, a pesquisa sobre o lúpulo, parte do pós-doutorado da pesquisadora Tsvetelina, contou com experimentos realizados em modelos de células de mamíferos que simulam as células hospedeiras dos
Da cerveja à medicina: entenda como lúpulo pode ser usado contra os vírus chikungunya e oropouche
Estudo desenvolvido por pesquisadora búlgara sob orientação de professor da USP de Ribeirão Preto (SP) apresentou resultados promissores no combate às arboviroses.
Por Larissa Vieira, g1 Ribeirão Preto e Franca
O lúpulo é responsável pelo sabor, amargor e aroma da cerveja — Foto: Fábio Tito/g1
Conhecido mundialmente como um dos principais elementos responsáveis pelo sabor da cerveja, o amargor presente no lúpulo não é uma matéria-prima apreciada apenas pela indústria cervejeira, mas também um componente que pode ser forte aliado da medicina.
Um estudo desenvolvido pela pesquisadora búlgara Tsvetelina Mandova sob orientação do professor Fernando Batista da Costa, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, identificou substâncias antivirais no lúpulo, capazes de destruir vírus como chikungunya e oropouche.
Em fase de desenvolvimento, a pesquisa, que corrobora com a máxima de que a ciência ajuda a lapidar respostas que estão na natureza, é promissora frente ao combate a doenças que ainda não possuem medicamentos específicos.
Ao longo desta reportagem, você vai entender um pouco mais sobre o lúpulo e sobre a pesquisa nos seguintes tópicos:
Lúpulo, uma das matérias-primas da cerveja — Foto: Darlan Helder/g1
Lúpulo: o que é
🌿O lúpulo é uma planta trepadeira que integra o grupo das angiospermas, ou seja, possui capacidade produtiva de flores e frutos. São, justamente, esses agrupamentos de flores que conferem à planta aroma, amargor e demais propriedades já conhecidas e utilizadas pela indústria cervejeira.
Assim como a Cannabis, o Humulus lupulus L, nome científico do lúpulo, faz parte das cerca de 170 espécies que formam a família Cannabaceae. Objetos de pesquisas dentro e fora do Brasil, essas plantas são reconhecidas pelas propriedades psicoativas e medicinais que possuem.
“Na terapêutica, além do efeito sedativo, o lúpulo é utilizado para o tratamento de distúrbios do sono, como a insônia temporária, ou também contra a ansiedade, como o estresse mental e distúrbios do humor. Além disto, devido ao efeito antimicrobiano, antioxidante, umectante e anti-inflamatório tópico de alguns constituintes da lupulina, extratos de flores de lúpulo são utilizados como ingrediente em preparações cosméticas para a pele, cabelo e pós-barba”, explica Costa.
No caso específico do lúpulo, clima temperado e solo rico em matéria orgânica compõem o cenário ideal para que surjam as inflorescências. (Veja detalhes sobre a produção da planta abaixo)
A planta originária do oeste da Ásia foi trazida ao Brasil pela família real, ainda no século XIX e, desde então, um mito de que ela só florescia em locais com baixas típicas do inverno europeu se fortaleceu em solo brasileiro.
A crença fez com que muitos produtores rurais se mantivessem afastados do lúpulo, tornando o país dependente da importação.
A flor do lúpulo cultivado em Ribeirão Preto, SP, para produção de cervejas — Foto: Divulgação
🍺Peça fundamental na produção das cervejas, o lúpulo possui cultivares e propriedades que conferem características específicas ao sabor das bebidas. O amargor de uma cerveja, por exemplo, é um fator influenciado pelos bioativos presentes na planta.
Mesmo não sendo um dos principais países produtores do lúpulo, o Brasil é o terceiro maior produtor de cervejas do mundo, de acordo com dados extraídos pelo Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).
O sucesso da cerveja no país impulsiona a importação da planta e movimenta a economia nacional, devido à variedade de produtos, industriais e artesanais, e ao alto consumo da bebida pelos brasileiros.
Descoberta em pesquisa
Iniciada em 2019, a pesquisa sobre o lúpulo, parte do pós-doutorado da pesquisadora Tsvetelina, contou com experimentos realizados em modelos de células de mamíferos que simulam as células hospedeiras dos vírus.
O processo feito em laboratório apontou uma ação de inibição contra o vírus chikungunya e oropouche em praticamente todos os compostos do lúpulo testados. Na pesquisa, as amostras com a presença do beta ácido foram as mais promissoras, com maior potencial virucida.
“Ficamos muito satisfeitos por podermos iniciar algo inédito, ou seja, utilizar compostos peculiares de uma planta cultivada e conhecida mundialmente para o controle de arboviroses que estão dispersas no mundo todo, em especial na Ásia e na América Latina”, afirma o professor.
Os resultados apontam ao menos duas hipóteses que explicam o mecanismo da ação do lúpulo contra a replicação viral. De acordo com Tsvetelina, as abordagens nos vírus chikungunya e oropouche foram semelhantes e complementares.
“Mas, como os dois vírus são diferentes em termos do tipo de material genético e do modo como se replicam na célula após a infecção, as duas abordagens que usamos diferem. O que é comum é que, para ambos os vírus, os compostos do lúpulo apresentam atividade inibitória, o que significa que podem interagir em diferentes estágios da replicação viral e interromper a propagação”.
Doutor em química orgânica, Costa afirma que a pesquisa está em etapas iniciais, com testes de compostos em células, porém os resultados obtidos até o momento são promissores e estimulam a equipe a seguir com o trabalho.
Ainda segundo o professor, a falta de investimento em pesquisas que buscam encontrar alternativas de tratamento contra doenças mais comuns em países subdesenvolvidos levou a equipe a direcionar o foco ao tema.
“Vale lembrar que as grandes empresas farmacêuticas investem muito pouco na pesquisa de doenças que acometem a população de países mais pobres, geralmente em regiões tropicais, restando ao Estado a incumbência de cobrir esta lacuna, seja nos institutos de pesquisa ou na Universidade, e acredito que, neste caso, estamos cumprindo nosso papel para a sociedade”, diz Costa.
Chikungunya e oropouche
Tanto a infecção por chikungunya, quanto por oropouche, são consideradas arboviroses. Isso significa que são doenças causadas por vírus, transmitidas, principalmente, por mosquitos. A chikungunya tem como agente transmissor o Aedes aegypt, mesmo mosquito que transmite dengue e zika.
Com registro de contaminação por chikungunya em todo território brasileiro, o Ministério da Saúde aponta que em 2023 uma importante dispersão territorial do vírus foi registrada no país.
Podendo levar a quadros de internação hospitalar e até óbito, essa arbovirose é tida como uma doença de notificação compulsória, ou seja, todo caso suspeito ou confirmado deve ser notificado ao Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Além dos sintomas (veja mais abaixo), o vírus chikungunya também pode causar dores crônicas nas articulações e doenças neuroinvasivas, como paralisias, neuropatias, meningoencefalite, síndrome cerebelar, entre outras.
O tratamento em combate à doença é feito de acordo com a situação de cada paciente. Não há um medicamento ou vacina para a chikungunya.
Já no caso do vírus oropouche, causador da doença conhecida como ‘febre do oropouche’, os principais agentes transmissores são os mosquitos do gênero Culicoides.
Apesar de um caso de contaminação por oropouche ter sido registrado no início deste ano no Rio de Janeiro, a possibilidade de um surto nacional da doença não é iminente.
Diagnosticada por meio de exames clínicos, epidemiológicos e laboratoriais, a doença não é de alta gravidade e casos em que complicações mais sérias se desenvolvem, como meningite ou encefalite, são raros.
Assim como a chikungunya, não há um medicamento específico ou vacina para combater a febre do oropouche.
Quais são os sintomas?
Nas duas arboviroses o principal sintoma é o mal estar corporal, porém, não é o único. Febre alta resistente ao uso de medicamentos, dor de cabeça e dores nas articulações também são características das doenças. Veja abaixo outros sintomas comuns:
- Febre
- Dores intensas nas articulações
- Edema nas articulações
- Dor nas costas
- Dores musculares
- Manchas vermelhas pelo corpo
- Prurido (coceira) na pele de forma generalizada ou localizada
- Dor de cabeça
- Dor atrás dos olhos
- Conjuntivite não-purulenta
- Náuseas e vômitos
- Dor de garganta
- Calafrios
- Diarreia e/ou dor abdominal
Vacina e medicamentos
Do ponto de vista da pesquisadora, os resultados obtidos a partir da pesquisa, até o momento, são promissores e impulsionam a continuidade dos trabalhos. Apesar dos resultados, Tsvetelina destaca que o caminho para a consolidação de vacinas ou medicamentos é repleto de obstáculos.
“É importante lembrar que, para que uma molécula com atividade biológica, neste caso antiviral, se torne um medicamento (comprimido ou vacina), o caminho é longo e repleto de muitos obstáculos a serem superados. Acredito que os resultados são promissores para continuar os estudos e validar por meio de outros testes esses primeiros resultados preliminares interessantes. Espero que nossa pesquisa seja o primeiro passo nessa direção de estudar esses compostos no contexto de arboviroses”.
Para o desenvolvimento de um medicamento, por exemplo, o processo incluí fases de testes pré-clínicos laboratoriais, testes de segurança em voluntários, teste de eficácia em pequenos grupos de pacientes com a doença.
Em casos de medicamentos desenvolvidos no Brasil, todas as etapas são monitoradas e devem seguir padrões científicos estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Produção nacional
Para que o lúpulo floresça a planta precisa de uma alta incidência de luz solar, de 10 a 16 horas de exposição diária. Solos férteis e úmidos, grande quantidade de água e temperaturas amenas também são fundamentais para uma colheita bem sucedida.
“No local de cultivo é necessário haver uma estrutura apropriada com suporte para os ramos se fixarem e crescerem verticalmente, podendo atingir até nove metros. O lúpulo exige alta taxa de incidência de luz, cerca de 16 horas diárias, e por este motivo em alguns países, incluindo o Brasil, existem cultivos que dispõem de suplementação luminosa artificial”, detalha Costa.
Cultivada, principalmente, em pontos estratégicos no hemisfério Norte, a planta se tornou mais atrativa ao produtor brasileiro a partir de 2015, quando as produções passaram a dar sinais de desenvolvimento no país.
De lá para cá, a produção apresentou crescimento em ritmo acelerado, de acordo com dados reunidos pela Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo). De 2022 a 2023, últimos anos de levantamentos, um aumento de mais de 40% foi registrado no número de produtores da planta.
Com os resultados positivos, a expectativa, a médio e longo prazo, é de que o Brasil alcance a tão desejada independência da importação. Para Daniel Leal, vice-presidente da associação, os produtores nacionais estão no caminho certo, superando barreiras diariamente.
“A produção de lúpulo avançou muito no Brasil nos últimos cinco anos. Ao longo desse período, a produção nacional foi quebrando algumas barreiras, alguns fatores limitantes que eram considerados até aspectos que poderiam inviabilizar a cultura do lúpulo no Brasil”, diz.
Tsvetelina Mandova e Fernando Batista da Costa, responsáveis por pesquisa sobre ação antiviral do lúpulo — Foto: Arquivo pessoal
Ação antiviral
Característico nas cervejas, o amargor do lúpulo é a chave da pesquisa. Isso porque são os alfa e beta ácidos, constituintes bioativos responsáveis pelo amargor da planta, que demostraram ação contra os vírus na pesquisa.
“O processo incluiu o desenvolvimento do método de separação dos compostos ativos. Estávamos focados em três grupos de compostos e utilizamos métodos de separação chamados cromatografia líquida/líquida. O segundo passo foi confirmar a estrutura por meio de métodos estruturais como RMN ou espectrometria de massa ou métodos analíticos como HPLC. A terceira parte foi organizar a parte antiviral e testá-la in vitro em modelos celulares”.
Tsvetelina explica que para o vírus oropouche, foram feitas análises computacionais.
“Modelamos por software alguns dos compostos do lúpulo e como eles se conectariam com uma proteína chave do processo de replicação do vírus na célula hospedeira. Depois de termos os resultados para ambos os vírus, tanto o chikungunya quanto o oropouche, formulamos a hipótese de um mecanismo de ação plausível, com base no perfil químico de medicamentos antivirais, juntamente com princípios biomoleculares e elementos na replicação viral”.
vírus.
O processo feito em laboratório apontou uma ação de inibição contra o vírus chikungunya e oropouche em praticamente todos os compostos do lúpulo testados. Na pesquisa, as amostras com a presença do beta ácido foram as mais promissoras, com maior potencial virucida.
“Ficamos muito satisfeitos por podermos iniciar algo inédito, ou seja, utilizar compostos peculiares de uma planta cultivada e conhecida mundialmente para o controle de arboviroses que estão dispersas no mundo todo, em especial na Ásia e na América Latina”, afirma o professor.
Os resultados apontam ao menos duas hipóteses que explicam o mecanismo da ação do lúpulo contra a replicação viral. De acordo com Tsvetelina, as abordagens nos vírus chikungunya e oropouche foram semelhantes e complementares.
“Mas, como os dois vírus são diferentes em termos do tipo de material genético e do modo como se replicam na célula após a infecção, as duas abordagens que usamos diferem. O que é comum é que, para ambos os vírus, os compostos do lúpulo apresentam atividade inibitória, o que significa que podem interagir em diferentes estágios da replicação viral e interromper a propagação”.