Casa de médica e empresário acusados de manter idosa em situação análoga à escravidão é pichada em Ribeirão Preto

Mulher trabalhou como empregada doméstica por 27 anos sem receber salário, diz Ministério Público do Trabalho (MPT). Caso foi revelado na quarta-feira (7).

Por G1 Ribeirão Preto e Franca

Casa de casal acusado de manter idosa em situação análoga à escravidão é pichada em Ribeirão Preto, SP — Foto: Redes Sociais

A frente da casa da médica e do empresário acusados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Ribeirão Preto (SP) de submeter uma idosa de 82 anos à situação análoga à escravidão foi pichada nesta quinta-feira (8). Na fachada do imóvel, no bairro Ribeirania, zona Leste, foi escrita a palavra “escravista”.

A pichação ocorreu depois que o órgão revelou, na quarta-feira (7), o resgate da idosa em outubro deste ano.

Segundo o MPT, a vítima, que terá a identidade preservada, trabalhou por 27 anos como empregada doméstica, mas sem receber salário e sem registro em carteira.

Ainda segundo a acusação, o casal inscreveu a idosa no Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e se apropriou das parcelas mensais no valor de um salário-mínimo. Os dois privaram a vítima de acesso à vida social e ao dinheiro, além de mantê-la em condições precárias.

Segundo o processo, ao qual o g1 teve acesso, a médica Maria de Fátima Nogueira Paixão e o empresário Hamilton José Bernardo devem indenizar a vítima em R$ 800 mil. A Polícia Federal (PF) foi acionada para investigar o casal criminalmente.

A idosa, que é negra e de origem humilde, relatou que trabalhava todos os dias e que fazia de tudo na casa. Ela afirmou que, esporadicamente, recebia R$ 20 ou R$ 50 para ir a Jardinópolis (SP) visitar a família.

O g1 entrou em contato com a defesa do casal, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Médica é acusada de manter empregada sem salário por 27 anos em Ribeirão Preto — Foto: Reprodução

Discriminação

Segundo o procurador do trabalho Henrique Correia, a mulher começou a trabalhar como empregada doméstica ainda na infância, mas na casa de outra família. Ela se mudou para o imóvel do empresário e da médica depois que a antiga patroa a “cedeu” para o casal.

Não há documentos que comprovem quando isso aconteceu. Em seu depoimento, a vítima também não soube precisar a data e disse, inclusive, que não sabia quantos anos tinha. Sua referência de tempo era a idade do filho da médica pediatra. Quando ela chegou à casa, o menino tinha quatro anos. Hoje, ele tem 31.

“Mulher, negra, de origem humilde, analfabeta. Ela é mais um exemplo de interseccionalidade, uma vez que evidencia a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade, as quais permitiram que tantos anos se passassem sem que a presente situação de exploração fosse descoberta pela comunidade que rodeava a família”, afirmou o procurador.

A idosa contou que sempre ouviu da médica a promessa de que compraria uma casa para ela morar, mas o imóvel nunca chegou a ser adquirido.

Patrões com condições de pagar salário

A médica Maria de Fátima Nogueira Paixão foi funcionária da Prefeitura de Ribeirão Preto e recebe uma aposentadoria de R$ 21 mil. O marido dela, o empresário José Hamilton Bernardo, é dono de loja de roupas.

Nos 27 anos em que trabalhou na casa na Ribeirânia, a idosa ajudou a criar três filhos do casal. Todos os três se formaram em Medicina.

A médica, por sua vez, alegou que pagava um salário mínimo por mês, mas não apresentou recibos comprovando pagamentos de salários, férias e décimo terceiro, segundo a Procuradoria do Trabalho.

Resgate

Desde o resgate em outubro, a idosa vive com a família em Jardinópolis (SP) e é acompanhada pela Secretaria Municipal de Assistência Social.

Além do pagamento de multas e do bloqueio de bens para indenização, o casal pode ser incluído na chamada “lista suja” do trabalho escravo, cadastro que reúne empregadores que submeteram os empregados a condições análogas à escravidão.

Se condenados na esfera criminal, os dois podem pegar até oito anos de prisão cada

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