Esta foi uma das semanas mais sobrecarregadas da minha vida. Eu tinha tantas demandas de trabalho, além de questões pessoais que precisavam ser resolvidas, que chegou um momento em que lamentei profundamente o fato de o dia ter apenas 24 horas e ainda precisarmos dormir uma parte delas. Como o meu lamento não mudou o ritmo dos ponteiros do relógio, na segunda-feira eu precisei optar por não dormir até às quatro da manhã, quando, finalmente, esgotada, consegui concluir uma das enormes tarefas assumidas.
Me deitei às quatro e pouco, do jeito que estava vestida, porque não tive forças sequer para mudar de roupa, tamanho o meu desgaste físico e mental. Acordei às nove, para um dia às avessas, já que tive de quebrar a minha rotina matinal de oração, exercícios, hidroginástica, café. Todo o resto do dia foi atropelado e isso se refletiu no resto da semana. Uma semana estranha em que eu e o tempo não conseguimos chegar a um consenso, mas que serviu para me fazer refletir sobre o ponto falho nessa história toda.
Na verdade, teve um evento, em concreto, que me despertou. Em meio a essa maratona de tarefas que se emendam umas na outras, de vez em quando, aparece alguém que pede um favor e, seja este favor pequeno ou grande, percebi que nunca consigo dizer não. E, quem nunca diz não, passa a impressão de estar sempre disponível.
Uma pessoa que conheci no ano passado, quando passei alguns meses morando em outra cidade, me enviou uma mensagem há uns 15 dias, pedindo se eu poderia revisar o seu TCC. Amigos queridos, acho que só tem uma coisa mais chata que revisar um TCC: fazê-lo. Eu sou da área das Letras e a revisão de textos faz parte do meu dia a dia, mas, revisar texto acadêmico é uma coisa mortal para mim. Tem gente que só trabalha com isso, felizmente, não é o meu caso, porque, decididamente, eu não suporto esse tipo de trabalho.
Mas, não consegui ter a serenidade e a sinceridade necessária para dizer à pessoa que eu não poderia fazer. E, no caso, devido à quantidade de trabalho que tinha para executar, era uma questão de não poder mesmo, nem se tratava de não querer ou não gostar. Mas, eu não consegui dizer “Não posso, sinto muito!”. Nem considerei o fato de que vi essa pessoa meia dúzia de vezes, quando muito e creio que nem simpatizamos muito um com o outro, foi apenas uma breve relação formal, por morarmos perto e termos amigos em comum. Em mais de um ano, desde que voltei para cá, nenhum um “Olá, como vai? Eu vou indo, e você, tudo bem?”, um oi ou uma mensagem de bom dia a pessoa me mandou. Mas me tratou como se fôssemos melhores amigos na hora de me pedir para corrigir o seu trabalho.
Eu disse que não poderia fazê-lo de imediato e o homem respondeu que não tinha pressa, porque era para entregar no fim de julho. Em nenhum momento ele me perguntou quanto custaria isso, porque as pessoas têm uma certa ilusão de que quem escreve ou revisa textos não come, não paga conta de luz, não precisa abastecer o carro. Mas, ele pediu como um favor. E eu aceitei fazer como um favor.
Bem, tirando tudo isso, já que eu tinha aceitado a incumbência, me resignei a cumprir o prometido. Passados alguns dias, o cidadão me enviou o texto, colado no corpo do e-mail, sem qualquer formatação, uma salada. Eu pedi para que ele me enviasse o arquivo no Word, que é a ferramenta básica de trabalho de escrita e os parâmetros pedidos pelo professor. Ele me respondeu que escreveu o texto diretamente no formulário eletrônico da faculdade, copiou de lá e colou no corpo do e-mail para me mandar. E sobre as exigências do professor, ele me passou o seu login e senha do site da faculdade para que eu mesma consultasse!
Ok. Vamos nós copiar o texto e colar no Word para poder formatar de acordo com as normas da ABNT que regem a redação de trabalhos acadêmicos. Comecei a ler e me deu calafrios.
Muitos de vocês podem nem saber do que eu estou falando, mas, quem já precisou escrever um TCC, uma dissertação, uma monografia sabe ao que me refiro… Há regras para se escrever essas coisas, regras muito rígidas, por isso é tão maçante e chato, mesmo que o tema seja interessante. Mas, o meu conhecido não parecia saber ou se importar com essas regras. Escreveu e foi procurar uma alma caridosa para arrumar para ele. E ainda me mandou mais uma mensagem dizendo que eu podia completar e enriquecer o texto para ele. Pelo menos com relação a isso consegui ser mais firme, afinal, se tratava de um trabalho de Geografia. Eu entendo de Língua Portuguesa, posso verificar os erros de pontuação, de gramática, de concordância, mas, o que sei eu de Geografia para completar o trabalho de alguém?
Esses dias todos, com demandas que precisava cumprir, eu fui mudando a revisão do TCC de um dia para o outro na agenda, me sentindo culpada e assombrada por mais este compromisso e sentindo aumentar sobre as minhas costas o peso de ter que fazer isso e não encontrar tempo, mesmo ficando acordada até de madrugada. Então, ontem, resolvi dar um parecer para a pessoa, me desculpar por não ter feito ainda, e explicar que me dedicaria a isso neste final de semana. Mas, qual não foi a minha surpresa…
A criatura me respondeu: “Ah, esqueci de avisar, uma professora conhecida da minha esposa corrigiu para mim.
Eu achei melhor enviar para o professor antes do prazo. A senhora não faça nada por enquanto. Se o meu professor não gostar, a senhora melhora o texto para mim. Meus amigos, eu confesso que me deu vontade de lhe dar uns tapas! Ainda bem que algumas centenas de quilômetros nos separam!
Pensem comigo, eu poderia ter corrigido; o estado de desorganização do trabalho, a necessidade de acerto das citações e de formatação adequada ia me tomar dois ou três dias de trabalho. E o homem simplesmente arrumou outra pessoa que se dispôs a fazer mais rápido e nem teve a delicadeza de me avisar, ainda deixando transparecer um fundo de ironia e desapontamento por eu não ter feito a revisão tão logo ele me enviou, como se eu não tivesse mais nada para fazer na vida.
Mas, isso me ajudou muito e me fez parar para refletir sobre a maneira como estou conduzindo o meu trabalho e a minha vida, assumindo muito mais tarefas e compromissos do que tenho tempo, disponibilidade e condições para fazer. A culpa não é do homem do TCC. É minha. Se eu tivesse dito “Não posso”, ele teria resolvido o assunto de outra maneira, como, de fato, resolveu, por eu não tê-lo atendido de imediato e nem se preocupou em me avisar. E eu teria tido um peso a menos para carregar.
E eu não deixei de fazer pelo fato de ele não estar me pagando, pois, mesmo que estivesse, eu não teria podido fazer, nem sacrificando as minhas horas de sono. Porque agimos assim é algo que quero me responder e convido vocês a pensarem sobre isso também, pois eu sei que a dificuldade de dizer “Não posso”, “Não quero”, “Não consigo” não é uma prerrogativa minha. Quantas vezes nos sobrecarregamos, nos estressamos e até adoecemos por querer carregar o mundo nas costas e acabamos passando a mensagem errônea de que estamos disponíveis o tempo todo, para qualquer tarefa.
Conhecer os nossos limites é essencial para saber o que podemos, quanto podemos e quando podemos. Se as pessoas compreenderão ou não, é algo que foge ao nosso controle. O que não pode fugir é a nossa sanidade e a nossa capacidade de agir de forma assertiva, coerente e lógica.