Não gosto de usar a palavra “antigamente”, pois ela é muito genérica. Antigamente pode se referir à época de Noé ou dos grandes patriarcas, pode se referir à Idade Média ou ao Império Romano, mas também pode se referir ao século passado, que está logo ali, há apenas duas décadas de distância, como aquela paisagem na estrada pela qual você já passou, mas que ainda continua refletida no retrovisor do seu carro. E, nestes tempos de transformações cibernéticas tão aceleradas, antigamente pode ser cinco anos atrás. De qualquer forma, usar o termo “antigamente” mostra que já somamos um bom número de anos. Em suma, somos velhos, ou idosos, como convém dizer.
Mas, gostando ou não, precisarei usar a palavra “antigamente” para externar o meu pensamento e me fazer entender – e que cada um situe este “antigamente” no tempo que lhe parecer propício.
Antigamente, as coisas eram menos velozes e, apesar disso, éramos menos ansiosos e estressados. Escrevíamos na máquina de datilografia, usando papel carbono para escrever com cópia. Nem todos eram rápidos em datilografar (os mais novos, podem ler “digitar”) e, mesmo os bons datilógrafos, cometiam erros, muitas vezes causados pela própria rapidez, porque, a cada tecla correspondia um martelinho com uma letra na ponta. Cada vez que batíamos em uma tecla, esse martelinho subia, batia na fita de tinta que corria entre um carretel e outro, passando na frente do papel, e imprimia uma letrinha. O datilógrafo muito rápido, podia usar uma velocidade superior à da subida e descida dos martelinhos e, subindo mais de um de uma vez, eles acabavam se enroscando (o termo certo era “se engastalhando”) e podiam ser impressas várias letras de uma vez, sobrepostas, e lá se ia o documento pro beleléu… O negócio era arrancar o papel e começar tudo de novo… Depois inventaram o corretivo, o popular branquinho, mas, para ser sincera, ficava uma porcaria.
Imaginem um escritor, escrevendo um livro de 400 páginas. A escrita é um processo criativo, você pensa e vai escrevendo, de repente, lá pelo meio da página, ou lauda, como era mais comum dizer, você tem uma ideia que ficaria melhor três parágrafos acima. Isso, no computador, é fácil, basta subir e inserir o pensamento que o restante do texto vai correr automaticamente para baixo, mas, não funcionava assim com o texto datilografado. Às vezes, a ideia precisava ser inserida não três parágrafos, mas três páginas atrás, conclusão: amassa tudo, joga fora e escreve de novo!
Este é apenas um exemplo, há muitos outros. A comunicação, é um deles. Pouquíssimas pessoas tinham telefone em casa, escreviam-se cartas. Se o assunto era urgente, enviavam-se telegramas (curtíssimos, porque se pagava por palavra). Trabalho escolar era pesquisar nas bibliotecas, em enciclopédias, e fazer cartazes em cartolina. Power Point? Ninguém sequer imaginava o que pudesse ser isso. Andava-se a pé, de bicicleta. Carro era artigo de luxo e poucas cidades pequenas eram providas de transporte coletivo. E, lembrem-se do que falei no início, essa imagem está logo ali, ainda aparece no retrovisor do carro…
E, no entanto, mesmo com todas essas dificuldades, vivíamos menos tensos, menos ansiosos, menos estressados. Agora, envia-se uma mensagem pelo WhatsApp e, se demora mais que 30 segundos para ela ficar com a marquinha azul, sinalizando que foi lida, a pessoa já entra em agonia. Se fica azul e a outra parte não responde, então, é quase motivo para um enfarto ou para uma segunda mensagem menos gentil, para não dizer grosseira. Os estudantes, para fazer um trabalho, jogam tudo no Google e, como o resultado da pesquisa beira ao infinito, de tantas opções, acabam se engalfinhando na dúvida e passam a achar que a vida é muito difícil, têm verdadeiros chiliques e acabam no balcão da farmácia com uma receita de Diazepam, Rivotril ou Ritalina. Os mais calmos, escolhem meio de qualquer jeito, no famoso Ctrl-C Ctrl-V, e está resolvido o problema, às vezes nem se dão ao trabalho de apagar as marcas da fonte, e entregam como se fosse de autoria própria.
Mas, tudo isso é apenas um longuíssimo preâmbulo para tentar responder à pergunta do título: “Onde está o perigo?”. Antigamente, a imoralidade era o perigo, hoje, o perigo é ser moral. Antigamente, o perigo era ser influenciado pelas más companhias, hoje, o perigo é ter opinião própria. Antigamente, o perigo era não ter fé, hoje, o perigo é ser cristão e admitir isso. Antigamente, o perigo era sair do armário, hoje, o perigo é não precisar sair do armário simplesmente por ser hétero e não ter nenhum problema com isso. Antigamente, o perigo era o futuro, hoje, o perigo é o antigamente, porque ainda há gente que se lembra, que compara e que tenta se firmar no que não se esvaiu com o tempo e nem se rompeu com a modernidade.
Antigamente, o perigo era a modernidade, hoje, o perigo é ousar acreditar que, embora muitos não gostem, existiu um antigamente e mudança, modismo ou imposição alguma será capaz de apagar o que já passou, o que já se concretizou, porque só é possível mudar o agora, não o que já foi. Embora ciente de que vivemos no agora e do agora para o daqui pra frente, de alma leve e coração tranquilo eu afirmo, com todas as letras: exceto a máquina de datilografia, tem muita coisa que era muito melhor antigamente!