Dias estes, numa consulta a um ortopedista, enquanto eu estava na sala de espera, lia atenciosamente o livro “ O Marinheiro” de Fernando Pessoa. Tempos depois, buscando a minha concentração em meio ao barulho do cotidiano, das motos gritantes e os carros acelerando seus motores, ora motorzão, ora motorzinho, uma família se sentou ao meu lado. Uma meninazinha de uns três aninhos reparou a forma como eu olhava para aquele livro e pediu ao pai que lesse alguma história para ela. Sem hesitar, ele foi ao amontoado de livros que ali existia e retirou um que pudesse agradá-la. Eu fingia estar lendo a partir daquele momento. Ela, deitada sobre o colo paterno, deliciava a forma como ele o lia. Não conseguia mais voltar a minha leitura, pois aquele instante era único. Pensei, “são assim que nascem os leitores”.
O exemplo, definitivamente, vem dos primórdios da infância. Naquele momento, a personagem “Segunda” que contava o sonho que tivera com o marinheiro na leitura que eu me deliciava, perdeu espaço para a meninazinha. Ela sorria a cada interpretação que o pai fazia. Aquilo perdurou por mais alguns minutos. Eu já tinha perdido as histórias que lia no “O marinheiro”. Comecei a navegar pelos mares que me levaram ao passado. Lia muita poesia, pois as rimas me fascinavam. Eu tentava reproduzir alguns versos na tentativa de expor o que aquele menino tímido sentia. Nasce o interesse pela música e este amálgama me leva a necessidade de compor. A necessidade de compor me joga ao fundo da leitura, mesmo sendo um aluno que sempre ficava para recuperação. Esta meninazinha não sabe o bem que aquele pai lhe fez. Talvez ela tenha se inspirado na minha leitura. Talvez tenha visto o rosto de várias faces do Fernando Pessoa que estava na capa. Só sei que alguma coisa ali a tocou.
Tempos depois, com as leituras concluídas, ela vira para a sua mãe e diz: “Mamãe eu quero ir à escolinha”. De fato, esta meninazinha crescerá com os seus valores, com os seus objetivos e se desenvolverá num ambiente onde lhe foram proporcionados bens educacionais, e não materiais. Vendo, observando e refletindo sobre esses assuntos, tenho a certeza de que uma criança nem sempre é refém da tecnologia que lhe jogam em suas mãos. Isso depende muito da forma como a criamos e como damos autonomia a ela.
Uma criança que se interessa pela escola e pela leitura é uma criança que desenvolve a sabedoria, a criatividade e a incrível capacidade de pensar e agir. Fato este muito escasso no cotidiano.