Após a partida de meu grande amigo, Petros, fui embora de Guadalajara. Pedalei só 40km até chegar numa pequena cidade chamada Zapotlanejo, onde algo muito bonito aconteceu, algo que para mim foi muito marcante e importante pra minha vida.
Cheguei na hora do almoço e fui direto para a tranquila praça central. Sentei junto com os velhinhos de chapéu, que passam o dia inteiro olhando o movimento. Abri meu tapuer, comi o macarrão que preparei um dia antes e um sono incontrolável bateu na porta. Com a cabeça tombada para trás e a boca aberta eu dormi, sem saber o que estava acontecendo. Quando a cabeça caia pro lado eu acordava, mas logo voltava a sonhar. Passei umas duas horas por ali, conversei com os senhores e fui pra prefeitura aplicar a busca por hospedagem. Como sempre, entrei na sala do secretário com cara de cachorro sem dono e disse:
– Olá, eu venho de bicicleta desde o Brasil, e sempre que chego a uma cidade vou à prefeitura pedir ajuda. Normalmente me conseguem onde dormir, e aqui estou agora.
– Ah…você deve ir falar com a fulana,
– Olá fulana. Eu vim falar contigo porque venho de bicicleta desde o Brasil…blá blá blá.
– Ah…você deve falar com o ciclano.
Até que finalmente me mandaram aos braços do Seu Cristóbal, que com toda atenção me conseguiu um hotel pra que eu passasse a noite. Tomei um banho e voltei pra praça.
Estava sentindo uma angústia, um sentimento um pouco chato, precisava ver gente, movimento, distrair a cabeça. Cheguei na praça, sentei no banco, comecei a conversar com meu Paizão, como tenho feito com muita força e frequência. Nesse momento uma forte chuva chegou na cidade e eu fui pro coreto, onde sentei no chão e continuei a reunião divina. Estava ali sozinho, até que chegou um homem com o seu cachorro, os dois também esquivando-se da chuva.
Era o Juan, um andarilho que carregava consigo uma pequena garrafa de tequila, mas que ainda estava no começo, então suas palavras saiam de sua boca com bastante lucidez. Ele se sentou ao meu lado, pediu pra eu não ter medo do cachorro e começamos a conversar. Me contou que caminha, simplesmente caminha, ele e o cachorro, que era de sua filha. Ele caminha porque não quer mais estar na cidade em que vivia. Quis fugir de lá porque não aguentava mais a dor causada pela perda de sua filha, que faleceu no mar, em um acidente, junto com ele. Me contou que não vê a sua família há mais de 25 anos, porque não tem condições de ir até os Estados Unidos encontrá-los. Juan me disse também que quando dorme, não tem vontade de acordar nunca mais, mas ele deve acordar e colocar os pés no chão, aguentar a cada dia as suas dores. Me disse que a única coisa que ele tem é Deus, e nada mais.
E no dia seguinte eu acordei bem, muito bem. Sai pedalando como antigamente, como sempre foi, com muito amor, muita alegria, muita gratidão e pensamentos bonitos. Segui cantando e integrando com os carros, que buzinavam como se estivéssemos comemorando o simples fato de existir. E daí pra frente, as ansiedades e as angústias sumiram, tudo se foi, como se eu os houvesse tirado com uma pinça. Não sei até quando manterei essa alegria, mas agora estou bem e isso é o que importa. Logo as dores podem voltar, mas tudo bem, eu estarei preparado. Sem as dores, não podemos evoluir, sem as dores, não podemos nos aproximar da Vida que existe dentro de nós (Deus)…sem conhecer a dor, não podemos desfrutar da paz.
E no meio da pedalada, Paizão foi me confirmando tudo isso, me mostrando que Ele estava presente. Parei num posto de gasolina pra pedir água e os presentes começaram a aparecer. Quem me atendeu foi a Soledad (que em espanhol, significa Solidão), uma mulher que apareceu com um imenso sorriso no rosto e curiosidade sobre a viagem. Ficou surpresa com a história, foi até a cozinha, encheu minhas garrafinhas d’água e voltou com algo mais.
Me deu a água e logo colocou em minhas mãos uma nota de dinheiro. Ainda que discordem, eu aprendi a não negar ajuda, então eu neguei só um pouquinho (por extinto), mas logo aceitei o presente.
Ela me deu as bênçãos, me falou também que Papito está sempre aqui com a gente e me pediu pra eu usar aquele dinheiro pra comer e pra o que mais eu quisesse. Enfim, mais um anjo…No próximo diário, escreverei direto de Tepatitlán de Morelos. Fiquem em paz. Amo vocês!! Beto.