O som do cavaquinho nas rodas de samba não mais ecoará pelos cantos da cidade. Está desafinado.
O som da madeira perdeu a sua qualidade. Seu pequeno braço deu espaço à ausência das mãos de que o tocavam.
O choro, ao invés de alegre e contagiante, agora é triste. A banda toca, agora, um canto fúnebre. Os sambas são melancólicos e elegíacos. Os músicos perderam a força de bater nos instrumentos que acompanhavam a doce melodia do cavaquinho.
O último som que Evaldo ouviu foi o de tiro. Vieram descompassados e fora do ritmo. As balas não faziam parte do repertório, porém cruzaram o seu destino.
Quando se é negro num país como o nosso, ter uma marca de bala na pele é inevitável. É a única tatuagem certa na vida de um negro. Às vezes elas perdoam; às vezes o seu cantar é fulminante. Destrói a alma do povo preto e daqueles que aqui ficam. Mancham a bandeira de um país construído por mãos negras.
A única cor que simbolizava a paz era o branco do carro. Este desfigurado pelos 80 tiros e como consequência, a cor rubra e as lágrimas incolores, porém carregadas de dores.
As rodas de samba não serão mais as mesmas. O samba que exalava pelos poros hoje significa tristeza. Impossível não tocar uma nota e não se lembrar da “cavaquinhidade” de Evaldo.
Evaldo dos Santos Rosa; De “Santos” ficaram as orações pela sua alma; de “Rosa” ficou coberto o seu descanso eterno. E assim segue a mesma história. A narrativa continua a mesma. Ter a vida ceifada por aqueles que são treinados para nos proteger é a mesma coisa que quebrar a corda sol do cavaquinho na música preferida.
A gente vai tentando entender a essência da melodia da vida nessas situações. A conclusão que se tira é que sempre haverá uma última música a se ouvir. No assunto em questão foram tiros e gritos. Nem deu tempo de compor a última canção e tematizar a violência que tanto tem rasgado a alma dos brasileiros (pretos).