Ouço o apito
o assovio do trem
que vem do passado.
Reparo o canto do sabiá.
A viagem de trem
para além do mundo
que saudade…
A vadiagem dos trilhos
para além de tudo.
Uma maleta no ombro
uma cesta no colo:
A jornada é o tempo
que me resta…
O jornal embrulhando
as mensagens da cidade
a idade passando pela janela aberta.
São as eras.
São as eras.
Eu sou viajante da maria-fumaça.
Eu vou subir no céu
como poeira.
Eu sou fonte
que não seca.
Cambaleio as pernas
balanceio o corpo
me desboto
como tinta de cabelo
como o reboco da parede
como o último grão de arroz
no prato
como aquele grão de areia.
Sopra o vento.
Ouvirão meus filhos
o gemer do vento?
Prima Vera
trará flores no enterro
do tio que morreu ontem?
Já ficou pra trás meu sonho…
E o trenzinho voa.
Um velho dorme ao relento.
Tenho destino único
feito máquina de moer carvão.
Tenho um nó na garganta
quero água…
Vou procurar matar minha sede
na última estação.
Que pena
a nova estação já vem…
No dia em que eu morrer
haverá folhas secas…