Na terça-feira, ao saber que o ex-presidente Lula estava reunido com a presidente Dilma, tive uma espécie de devaneio, como se ouvisse, vindo de algum desconhecido lugar, um trecho de Coração de Estudante, o hino da minha geração. Senti um aperto no peito e fui remetida ao passado, quando o PT era a grande esperança para esta nação. Olhei para a figura altiva do “companheiro” Lula e torci, de verdade, para que ainda restasse um pingo de dignidade naquele homem que um dia foi meu ídolo, meu herói – meu e de praticamente toda a nação –, e que ele saísse da reunião anunciando que recusou o “convite” para assumir um ministério com o único fito de ter foro privilegiado e fugir da justiça que ameaça a sua ideia de impunidade e quase sagrada imunidade.
Não quero ver TV nos próximos dias, pois estou farta de ter meu coração ferido pelas notícias dessa corja de corruptos que ocupa o poder. Não quero ouvir sobre os conchavos para tentar obstruir e calar a voz da justiça, que é a voz representativa dos milhões de brasileiros que foram às ruas no último domingo para dar uma resposta a essa farra de algo que já se chamou de esquerda, mas que hoje não passa de um lamentável arremedo dos fatos narrados por George Orwel em “A revolução dos bichos”, a mais inteligente crítica ao apodrecimento do comunismo. No texto, um grupo de animais, liderados por porcos, toma o poder, expulsa os humanos e cria a utopia de uma sociedade perfeita, onde todos os bichos seriam iguais. A história acaba com os porcos afundados até o pescoço na lama da corrupção, mudando as leis a seu favor, depois de crimes, assassinatos e toda espécie de barbárie para se garantirem no poder, resumindo a decadência de um ideal belo e puro em: “Todos os bichos são iguais, porém, alguns são mais iguais do que os outros.”.
Como todos os brasileiros, eu não quero ver o triunfo dos porcos, mas, parece não nos restar alternativa. Estamos tristes, com a sensação de derrota da democracia, da dignidade, da justiça e do bem, mas o “companheiro” Lula aparece sorridente em seu novo estereótipo de mártir, quase um santo, praticamente o salvador da pátria. Lembrei-me de quando conheci este homem, dentro de um elevador de um hotel em BH, durante um congresso nacional da CUT. Ele apertou a minha mão e eu me senti como uma adolescente apaixonada, que nunca mais vai querer lavar a mão que tocou a mão de seu grande ídolo. Eu acreditava piamente que aquele homem de estatura mediana, barba cerrada e sorriso aberto era a grande solução para esta nação, ou melhor, a única solução.
A estrela do PT, representada pelo brochinho vermelho que eu não tirava da lapela, simbolizava o futuro, a esperança, a solução, o fim da corrupção, a tão sonhada chegada do povo ao poder, a vitória dos trabalhadores, representados por aquele homem que transpirava dignidade, respeito e amor à pátria. Hoje a sua barba não está tão cerrada e já branqueou, sua estatura já não é mediana e só lhe restou o sorriso, antes simpático, hoje cínico.
Lembro das brigas que tinha com a minha mãe naquela época. Ela dizia que eu era muito ingênua que político era tudo igual, farinha do mesmo saco. Podia até ser, mas, não o PT, não o Lula! O Partido dos Trabalhadores, no qual fui levada a confiar cegamente pela visão poética e cheia de ternura do professor Gilberto Morgado, que viveu e morreu acreditando nessa utopia, que lutou dignamente por ela e que, apesar da falta que nos faz, tem a sorte de não estar aqui para ver essa podridão imensa, essa lama escorrendo e invadindo cada recanto, cada fresta de cada instância deste governo que nos assola e que zomba de nós. Uma corrupção ativa que, como um câncer invasivo, tomou cada parte do corpo governamental, a ponto de não ter muito poucos que se salvem, motivo forte o suficiente para que o ex-presidente e sua liderada Dilma o queiram em Brasília a fim de garantir os necessários conluios para tentar engambelar e continuar zombando do povo..
Há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto, diz a canção do Milton, que a juventude brasileira entoou em praça pública nas décadas de 80 e 90, mas, como cuidar do broto se a raiz está podre, corroída, carcomida pelos vermes? Eu dei os melhores anos de minha juventude a essa causa, por isso a dor dói ainda mais forte, a sensação de traição é ainda mais pungente; eu me mudei para São Paulo para receber formação política, praticamente morava no Sindicato dos Bancários, mas, mesmo sendo, sim, ingênua, como minha mãe, em sua simplicidade e sabedoria soube definir tão bem, eu não demorei a perceber que os discursos eram repetitivos e vazios, que a teoria não condizia com a prática, que os companheiros de militância tinham hábitos espúrios e não eram muito diferentes dos burgueses que combatiam e que as greves eram manipuladas.
Na minha arrogância pueril e ingenuidade ideológica, eu tachei a minha mãe de ignorante e a magoei com acusações duras, dizendo que era a atitude acomodada e servil de gente como ela que fazia com que o mal permanecesse no poder, que a opressão contra os pobres e marginalizados continuasse. Mas, contrariando o meu próprio coração, deixei que o meu senso de lógica vencesse e me desfiliei do partido ainda no início dos anos 90, justificando isso com a necessidade de neutralidade política por parte de um jornalista, mas, no fundo, já enxergando algumas nuances, nas quais me negava a acreditar e que, hoje, nos são esfregadas na cara. Enfim, preciso admitir que minha mãe estava certa e que escolhi errado o meu super-herói e evocar mais uma canção-hino de minha geração, dizendo que “hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude está em casa, guardado por Deus, contando o vil metal”, ou melhor, voltou para Brasília.